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A palavra da criança

Projeto de Lei que torna pedofilia crime hediondo é aprovado na Câmara dos Deputados; Piauí é o estado com mais casos no Nordeste

25 de novembro de 2022
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Edição Luana Sena

Em novembro deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 1.776/2015, que inclui os crimes de pedofilia na Lei dos Crimes Hediondos no Brasil. O PL segue para votação no Senado e determina que a pena para esse crime deva ser cumprida, inicialmente, em regime fechado e não será passível de anistia, graça, indulto ou fiança. Segundo o Ipea, 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes – maioria entre 7 e 14 anos. O índice realça a urgência de medidas de combate à pedofilia.

O crime de pedofilia é uma das marcas da violência e abuso contra crianças e adolescentes no Piauí que, junto ao Maranhão, lidera o ranking desse tipo de delito no Nordeste, segundo a Rede de Observatório da Segurança. De acordo com o relatório do Observatório Mulher Teresina, vinculado à Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres (SMPM), foram identificados mais de 1.450 registros de violência sexual contra crianças e adolescentes, de 2011 a 2021.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Piauí (SSP-PI), mas nenhum dado sobre violência contra crianças e adolescentes foi repassado.

A delegada Lucivânia Vidal, da Delegacia de  Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), destaca que os números de registros são apenas a ponta de um iceberg. “Ainda há muita subnotificação”, afirmou. “Se fossem registrados pelo menos 80% dos casos de pedofilia, com certeza os números aumentariam significativamente”, disse completando.

Na última votação do PL 1.776/2015 na Câmara, todos os deputados piauienses votaram a favor do projeto. No entanto, em outubro de 2022, quatro deles negaram prioridade à votação do PL, que esperava apreciação há sete anos. A bancada do Partido dos Trabalhadores (PT) havia solicitado priorização dessa pauta, mas o pedido foi recusado por 224 deputados.

Do Piauí, os deputados que votaram contra a priorização do projeto foram: Átila Lira (Progressistas), Júlio César (PSD), Margarete Coelho (Progressistas) e Marina Santos (Republicanos). Votaram a favor da priorização do PL que torna a pedofilia crime hediondo no Brasil os deputados Fábio Abreu (PSD), Flávio Nogueira (PT) e Merlong Solano (PT).

A demora na aprovação pode ser reflexo da falta de interesse dos próprios legisladores e da sociedade. É o que destaca o advogado criminalista Wesley de Carvalho, também presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos no Piauí. “A força motriz da criação das leis é o interesse público e a realidade social vivenciada”, explica. “Mas sabemos que no Congresso Nacional há outros interesses como, por exemplo, engajar projetos que tenham repercussão na mídia”, afirmou.

A exemplo das estatísticas preocupantes no Piauí, no último domingo (20) um homem foi preso em flagrante, no município de Campo Maior, por abusar sexualmente de uma menina de seis anos. A Polícia Militar informou que a prisão ocorreu após a criança filmar o próprio estupro com um celular e mostrar à mãe. O abusador é tio-avô da vítima e estava hospedado na casa da família.

O caso ilustra o fato de que a violência contra crianças e adolescentes acontece, em sua maioria, no ambiente familiar, e é cometida por pessoas que têm relações próximas com as vítimas. Segundo dados do relatório do Observatório Mulher Teresina, 41% dos abusadores são conhecidos ou amigos da vítima ou de sua família, 13% são os padastros e 9% são os próprios pais das vítimas de abuso. A proximidade com o criminoso dificulta a identificação da violência.

A delegada Lucivânia Vidal explica que a estratégia dos abusadores é adquirir a confiança das crianças próximas, pela convivência frequente que facilita o abuso. “Dificilmente eles escolhem vítimas que não conheçam”, observa.

Meninas são o principal alvo da pedofilia. Segundo o Observatório Mulher Teresina, dos 1.851 casos de violência sexual na cidade, 96% foi contra mulheres e, desse percentual, 78,5% tinha entre 0 e 19 anos. No Piauí, a taxa de abuso sexual contra meninas é de 75%, superando a média do Brasil e do Nordeste (65% e 63%, respectivamente).

O percentual de abuso sexual contra meninas cresce a cada ano: em 2019, 70% dos casos desse tipo de violência foi contra esse grupo. Já em 2020, o índice subiu para 81%. Em 2021, 82% das mulheres abusadas sexualmente tinham idade de 0 a 19 anos.


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Lucivânia Vidal ressalta que é essencial que a família e responsáveis observem o comportamento das crianças, para saber prevenir ou identificar os abusos. “Elas darão sinais quando estiverem em ameaça”, destacou. “A família e a sociedade precisam vigiar!”.

O perigo nas telas

O abuso sexual contra menores de idade é uma prática violenta que se manifesta, principalmente, no ambiente doméstico e familiar, nos quais o abusador tem mais facilidade de chegar à vítima. Contudo, esse tipo de crime pode acontecer também à distância, através da internet. A Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI) aponta que, em 2017, um dos crimes mais praticados na internet foi a pedofilia.

No ambiente virtual, esse tipo de violência acontece principalmente por meio da utilização de fotos das crianças e adolescentes em montagens para uso em sites pornográficos. O abusador pode entrar em contato com as vítimas pelas redes sociais e assediá-las, chegando até mesmo a convencê-las de compartilhar fotos íntimas.

Leia mais: Especialistas apontam perigo nas redes sociais para crianças e adolescentes

Escuta, proteção e denúncia

No combate à violência e abuso sexual contra crianças e adolescentes, a escuta das vítimas é essencial. Mais que isso: é urgente denunciar. As denúncias podem ser registradas em qualquer delegacia. “Temos que entender o protagonismo das crianças como vítimas do abuso sexual para protegê-las”, disse a delegada Lucivânia Vidal, da DPCA, à reportagem. “Somente com a denúncia o agressor será barrado e impedido de praticar mais abusos”, completa.

É comum que as famílias decidam não denunciar, como forma de preservar a vítima. A subnotificação também ocorre porque, em muitos casos, os responsáveis deslegitimam o relato das crianças. “Devemos ouvir e acreditar em nossas crianças, elas não inventam quando falam de abuso”, explicou a delegada.

A dificuldade de provar o abuso cometido também dificulta que as denúncias sejam registradas. Mas o advogado Wesley de Carvalho chama atenção para o fato de que nem toda violência sexual deixa vestígios. “O processo se ancora basicamente na palavra da vítima, e a palavra da vítima tem bastante respaldo”, disse.

Confira os órgãos e instituições de apoio às vítimas e de combate à violência.

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