quinta-feira, 25 de abril de 2024

A pressa é inimiga da conexão

Falta de checagem das informações nas redes sociais aciona linchamento virtual no “tribunal da internet”

19 de janeiro de 2022

Edição Luana Sena

Juliana Alves saiu de casa achando que seria mais um dia normal. No bairro em que mora, como de costume, alimentou um cãozinho que vive pelas ruas, próximo do local onde ela mora. Minutos antes, Juliana tinha desembarcado de uma corrida por aplicativo. Chovia bastante. Dali a alguns minutos, um vídeo do animal correndo atrás do carro que levou Juliana, circulava nas redes sociais. Em letras garrafais, legendas denunciavam: ABSURDO, ANIMAL ABANDONADO NA CHUVA.

O vídeo viralizou rapidamente. A estudante Gabriela Santos o recebeu ainda na mesma tarde via whatsapp – mas, pelo Twitter e Instagram, o assunto tomou fôlego em muitos perfis. A estudante chegou a compartilhar e se indignar com o caso por meio das suas redes sociais, mas ficou consternada quando descobriu que, na verdade, o animal não foi abandonado. 

A história ganhou uma reviravolta depois que, acionada, a Delegacia do Meio Ambiente confirmou, após investigações, que o cão – batizado de “Amor” após a repercussão falaciosa –  tratava-se de um animal em situação de rua e era constantemente alimentado por moradores da região. “As histórias circulam muito rápido e muitas vezes de forma irresponsável”, comenta Gabriela. “Vira uma avalanche, quando você percebe, também está dentro da teia de desinformação”, destaca a estudante.

O motorista de aplicativo, que preferiu não se identificar, procurou a TV Antena 10 para falar sobre o caso. Desde que o vídeo foi publicado, ele diz temer por sua segurança. “Já peguei três passageiros que ficaram me encarando e achando que sou um monstro por causa dessa história mal contada”, relatou à emissora. “Fico vulnerável dentro do carro, qualquer pessoa pode fazer algo contra mim”, descreveu.

A situação, paralelamente, lembrou o que aconteceu com Fabiane Maria de Jesus, de 33 anos,  em 2014. Por conta da circulação nas redes sociais de um retrato falado que havia sido feito dois anos antes, a mulher foi linchada por populares, acusada de fazer rituais contra crianças. Fabiane foi espancada até a morte, por conta de um boato. 

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A pesquisadora Martha Alencar explica que vivemos um cenário contraditório. Até pouco tempo atrás, produtores de tecnologia argumentavam que, quanto maior o volume de informação circulando, maior a facilidade de conexão – mas o que está havendo é justamente o contrário: as desinformações estão desconectando cada vez mais as pessoas, lugares e situações. 

Em levantamento feito pelo Atlas da Notícia, regiões como Norte e Nordeste apresentam um cenário de “desertos de notícias” bem maiores que outras regiões. A expressão define municípios que não apresentam nenhum veículo de jornalismo para poder apurar, checar e divulgar notícias. Com isso, cria-se o hábito de acreditar – e reproduzir – boatos e informações, que comumente são transmitidos sem checagem, podendo estar distorcidos, ou mesmo serem falsos.  

Apenas no Nordeste, são quase três mil municípios que fazem parte desse deserto. “Logicamente, o Piauí se configura dentro desse abismo por conta das carências tecnológicas que o estado enfrenta”, destaca Martha. No caso do cachorro que não havia sido abandonado, a celeridade com que a informação circulou caracterizou as redes sociais, mas lentamente os veículos de informação revelaram como é preciso avançar nas estratégias de checagem para combater a desinformação. 

Com essas carências comunicacionais, outro problema que se implica é o linchamento das redes sociais. Em um espaço que tudo acontece de forma rápida e sem filtro, mesmo que de forma digital, provoca danos concretos. Não à toa, em 2019, “a cultura do cancelamento” foi eleita o termo do ano – segundo o dicionário Macquarie. 

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Essa expressão tem sido acompanhada do “tribunal da internet”. Nesse espaço de julgamento, onde nada se julga com igualdade e proporcionalidade, deixa-se de discutir ideias e passa-se a discutir a conduta das pessoas. “Além do “cancelamento”, os ataques virtuais tornam-se massificados e extrapolam os limites da livre manifestação de pensamento”, analisa a advogada Thays Bertoncini. “Porém, é capaz de provocar uma propagação de discurso de ódio e ainda, incorrer em crimes como injúria ou difamação”, pontua.

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Categorias: Reportagem

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