sexta-feira, 10 de maio de 2024

Cine Rex e o abandono do Centro

Sem função, o espaço é o reflexo do que se vê no centro de cidade, hoje tomado pelo descaso e medo

05 de junho de 2023

Esquecido em meio ao centro da cidade que tenta se remodelar, mas muito vivo na lembrança de milhares de teresinenses, o Cine Rex ilustra um pouco o descaso de Teresina pela sua memória. Palco da exibição de grandes obras da sétima arte, romances e momentos em família, o cinema foi fechado em 2005 e hoje segue apenas como uma fachada no estilo de arquitetura art déco, tombada desde 1995, sem função e frequentemente invadida por usuários de drogas. Ele reflete a situação de muitos outros espaços na região com registros de furtos, o que está fazendo muitos comerciantes fecharem suas portas.

Criado no final da década de 1930 num dos pontos mais bem localizados da cidade, que abrange o complexo do Clube dos Diários e Theatro 4 de Setembro, o Cine Rex atravessou diversas gerações e alimentou a paixão de muitos teresinenses pelo cinema.

Imagens mostram o Cine Rex em 2008 e na década de 70 (Fotos: Diego Iglesias e Arquivo Público)

O professor doutor Raimundo Nonato Lima dos Santos, pesquisador da memória da cidade, fala com saudosismo do antigo cinema. “Muitos namoros se iniciaram, muitos casamentos se desenvolveram, muitos relacionamentos no chamado escurinho do cinema, então o Cine Rex tem muita vivência, que nós podemos dizer que é um lugar de memória, porque marca essas muitas gerações”, frisa.

Para o pesquisador, o declínio do espaço se deu por vários motivos, como problemas na distribuição dos filmes que aumentou o preço das películas, a difusão dos aparelhos de videocassete que fez com que muitas famílias trocassem o hábito do cinema pelo conforto do lar. “Nos anos 90, dois shoppings são instalados, o Teresina Shopping e o Riverside, com salas de cinema modernas, chegando a um outro padrão melhor, o que acabou infelizmente dando o fim ao cinema”, destaca Raimundo.

Depois que foi fechado, o espaço ainda funcionou por cerca de um ano como boate, mas fechou definitivamente, sendo lembrado de vez em quando com possibilidade de intervenção do Governo do Estado para a sua compra, pois trata-se de um espaço particular.

 

O abandono: a violência silenciosa

Recentemente, o escritor de um blog com o pseudônimo de “Musa Esquecida” (http://amusaesquecida.blogspot.com) mostrou um vídeo da parte interna do Cine Rex. Nas imagens, é possível ver o espaço sujo, com pichações de facções nas paredes, com o teto deteriorado e com forte odor. A gravação foi feita há cerca de um mês, quando o proprietário fez uma pequena reforma com fins de segurança no local, tendo em vista que ladrões invadiam espaços no entorno partindo de lá. O autor das imagens afirma que o homem que fazia a reforma o convidou para fazer o registro e, num bate-papo, destacou que tinha muitas memórias do cinema, mas estava revoltado com a situação do espaço hoje.

Esse abandono do Cine Rex ilustra bem a situação de diversos espaços comerciais do centro, que, com pouco movimento, vivem em intensa crise. Um desses espaços é o Café Art Bar, bastante frequentado por artistas, localizado entre o Theatro 4 de Setembro e o Cine Rex; O proprietário, o senhor Gonçalo Machado, alega que já perdeu as contas de quantas vezes teve seu estabelecimento arrombado, sendo que somente este ano foram três. No entanto, com a última reforma no antigo cinema, destacada acima, o espaço ficou mais seguro devido a implantação de grades.

Segundo o comerciante, isso não aconteceu só no seu bar. “É difícil ter uma loja aqui no centro que não tenha sido arrombada. Assalto mesmo nunca teve. Os ‘noiados’ entram para roubar botijão de gás, coisa pequena para trocar por droga”, lamenta Gonçalo.

Uma solução: a ocupação

Hoje o centro da cidade vem passando por reformas e revitalização, com calçadões sendo repaginados com investimento de cerca de R$ 12 milhões por parte da Prefeitura de Teresina. No entanto, apesar de receber algumas atrações, o espaço que já foi o coração da cultura teresinense, formado pelo Complexo Clube dos Diários e Theatro 4 de Setembro hoje não reúnem tantas pessoas como antigamente. Isso devido à descentralização de eventos e a criação de novos teatros e salas de espetáculo como o Centro de Convenções entre outros. O resultado é a ocupação por pessoas em situação de rua e usuários de drogas, comuns de se encontrar no centro da cidade.

Para o professor doutor Raimundo Nonato Lima dos Santos, a situação do centro da cidade poderia ser amenizada com a ocupação dos espaços por parte da população, algo intimida a ação de ladrões. No entanto, isso depende muito da iniciativa do poder público em tornar esses espaços atrativos. “É ter vivência, ter mais atividades noturnas no centro da cidade, que as praças possam ser revitalizadas. Por exemplo, no passado havia um projeto que era ferinha de cultura, não é? Que eram música, dança, teatro, que era organizado nas praças da cidade. Então, por exemplo, esse projeto poderia retornar. E o cinema, Cine Rex, por exemplo, poderia ser uma escola, uma escola de audiovisual, não é?”, explica.

“Antigamente as pessoas pegavam ônibus e ficavam até 23h e meia noite. Hoje quando dá 19h todo mundo quer ir embora porque sabe que não tem mais transporte”

O comerciante Gonçalo Machado é mais enfático e afirma que o problema é de gestão pública. Segundo ele, nos últimos anos, a quantidade de pessoas que circulavam no centro foi diminuindo aos poucos tanto por conta da violência como pelos problemas de transporte público. “Eu nunca vi uma cidade tão abandonada. Não tem ônibus, aí quem é que vai ficar na rua e vai ficar no centro à mercê sem segurança. Antigamente as pessoas pegavam ônibus e ficavam até 23h e meia noite. Hoje quando dá 19h todo mundo quer ir embora porque sabe que não tem mais transporte”, lamenta.

Lojas fechando e projeção negativa

O declínio vem não somente para os espaços de arte e cultura no centro da cidade, mas também para o comércio. Inúmeras lojas já fecharam e outras mudaram de endereço, partindo para os bairros. E hoje o que mais se vê são estabelecimentos de portas fechadas, além de casarões abandonados e outros que viraram estacionamentos.

Para o comerciante, Gonçalo Machado, a projeção é que mais lojas fechem se não houver uma ação eficiente além de obras. “Pode anotar aí: até 2030 só vai ficar o Paraíba e a Pintos porque está todo mundo indo para os bairros”, finaliza.

 

 

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Diego Iglesias

Jornalista, mestre em comunicação pela Universidade Federal do Piauí.

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