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Cinema para permanecer vivo

Bolsa estímulo da 7ª Parada de Cinema ajuda produtores a desengavetar projetos audiovisuais no Piauí

10 de agosto de 2022
por Redação

Em setembro de 2020, a notícia de que barracos e casas improvisadas estavam sendo queimados no assentamento Terra Nossa, zona rural de Teresina, levou Milena Rocha e Germano Portela a visitarem a região. Logo nas primeiras conversas com moradores, o tom de denúncia foi dando lugar a um registro mais profundo da vida naquele lugar, onde pelo menos 60 famílias acampam na beira de um rodoanel, na zona sudeste da capital do Piauí. 

“Encontramos mulheres muito evangélicas, mulheres cuja história de vida era também história da luta pelo direito à terra e contra o grande latifúndio”, comenta Milena, documentarista. Em 2022, com mais equipe e o distanciamento necessário para entender o processo, a gravação voltou ao local para finalizar o documentário “Terra Nossa”, que será exibido pela primeira vez agora em agosto, na 7º edição da Parada de Cinema. “A bolsa estímulo da Parada foi o que fez a gente desengavetar o filme”, revela Milena.

Milena Rocha nas filmagens de Terra Nossa: “Fazer cinema no Piauí e fazer despesas” (Foto: Renata Fortes)

A Parada de Cinema é uma mostra de cinema brasileiro contemporâneo realizada no Piauí há sete anos – além de exibir os filmes, este ano ela também vai fomentar projetos e novas produções inviabilizadas – seja pelo impacto econômico de dois anos de pandemia, seja pelos custos inerentes a qualquer produção audiovisual. “Fazer cinema no Piauí é fazer despesas e ficar pensando em como vai pagar”, ri Milena. “Isso sem perder o pique criativo de contar as histórias do nosso estado”.

Com a bolsa estímulo no valor de 5 mil reais, a equipe de “Terra Nossa” ganhou novos integrantes (Wesley Oliveira na montagem; Renata Fortes, fotografia; Fabrício  Campos no som direto) e também pôde corrigir e aperfeiçoar detalhes na produção. “Muitas coisas aconteceram em dois anos”, comenta Milena. “Então é um filme sobre encontrar algo que não estava no nosso espectro quando fomos lá a primeira vez”, explica ela que, ao lado dos companheiros que fundaram o LabCine – um laboratório encabeçado, à época, por estudantes universitários – lançam o documentário na Parada de Cinema agora como uma produtora. 

Documentário conta história de famílias de assentamento na zona rural de Teresina (Foto: Germano Portela)

De um modo geral, o cinema brasileiro vem registrando um impacto econômico global acima dos 400 bilhões de dólares anuais – é uma retomada do setor, impactado pela pandemia da Covid-19. Em julho deste ano, o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial à Lei Paulo Gustavo, que dispõe sobre apoio financeiro da União para os estados e municípios visando a tomada de ações emergenciais na área da cultura. Entre as proposições da lei estão: fomento às produções audiovisuais, reforma e manutenção de salas de cinema, além de apoio a realização de mostras e festivais audiovisuais. Este ano, a Parada de Cinema foi um dos projetos contemplados pelo Sistema de Incentivo Estadual à Cultura – SIEC e patrocinado pela Equatorial Piauí. 

Poliana Oliveira nas filmagens de “Sonhos que envelhecem cedo” (Foto: Renata Fortes)

Além de “Terra Nossa”, outros dois filmes receberam a bolsa estímulo da Parada de Cinema: “Sonhos que envelhecem cedo”, documentário de Poliana Oliveira; e “Telefone sem fio”, de Juhx Bonfim. Para ambos, o incentivo financeiro é um sopro de esperança a quem procura possibilidades fora do eixo sul e sudeste. “Iniciativas como essa fortalecem não só o audiovisual nordestino, mas a reafirmação da nossa cultura, que é tão diversa, a identidade e a visibilidade a pautas sociais necessárias”, argumenta a diretora. A bolsa estímulo da parada permitirá que seu filme seja finalizado e ganhe recursos de acessibilidade. “Além, é claro, de estrear em um festival abrindo portas para outros”, espera a jovem cujo projeto teve apoio inicial do Nordeste Lab – uma plataforma de articulação para fortalecimento do setor audiovisual brasileito. “Eles tem uma premiação chamada ‘Laboratório Universitário’, onde projetos selecionados participam de oficina, capacitação, desenvolvimento e, ao final, realizam um pitching com uma banca avaliadora que escolhe as melhores defesas”, relembra. 

Set de filmagens do documentário de Poliana Oliveira (Foto: Renata Fortes)

Juhx, que é artista visual, também já experienciou ser contemplada com outros projetos e editais como o Itaú Cultural, e acredita no cinema como a possibilidade de uma interação horizontal sobre as discussões propostas por cada filme. “A bolsa estímulo vai me permitir pagar todos os custos do filme e as pessoas que trabalham comigo”, comenta. “Sou artista, vivo da arte e isso me ajuda a ficar livre e vivo para criar”.

 

Encarnado exibido pela 1ª vez no Piauí

Além dos filmes selecionados para receber a bolsa estímulo, a Parada de Cinema #7 exibe filmes piauienses que já estrearam em outros lugares do mundo – apesar de seguirem inéditos no estado. É o caso do curta-metragem “Encarnado”, rodado em Castelo do Piauí. O filme estreou em maio deste ano no 68º Festival Internacional de Curtas de Oberhausen, na Alemanha – um dos mais antigos do mundo.

Cena de Encarnado, ficção experimental gravada em Castelo do Piauí.

“Encarnado” é uma ficção experimental de 22 minutos, filmada em julho de 2020 por Ana Clara Ribeiro e Otávio Almeida. Eles registram a relação de dois homens isolados no sertão e nos cânions do rio Poti. Além disso, apresentam um raro registro de vaqueiros feito em 1929, extraído do filme “Sob o Céu Nordestino”, dirigido pelo paraibano Walfredo Rodrigues. Toda a equipe de produção do filme é piauiense.

Leia mais: Encarnado: filme piauiense estreia em festival na Alemanha

Cena de “Água para Gregório”, documentário que será exibido na mostra.

Thiago Furtado é outro diretor que exibe na mostra seu “Água para Gregório”, um filme que percorre os relatos de milagres atribuídos ao popular santo conhecido na capital Teresina. Gregório, que era motorista de um coronel na pacata cidade de um século atrás, foi martirizado em 1927. O filme entrelaça esse acontecimento aos casos de justiçamento de corpos negros. 

A Parada de Cinema #7 acontece de 19 a 21 de agosto no Espaço Multicultural Stouradas, com entrada franca. Além das sessões, seguidas de debates com os realizadores, haverá oficinas práticas, exposições e apresentações artísticas fechando cada noite. Confira aqui toda a programação. 

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