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Dignidade para menstruar

62% deixam de ir à escola por falta de absorventes; portaria para erradicação da pobreza menstrual é aprovada em Teresina

17 de janeiro de 2023

Edição Luana Sena

Depois que a primeira menstruação chegou, a rotina escolar para Nívea Gomes nunca mais foi a mesma. Quando a menstruação chega de forma inesperada, a adolescente de 16 anos prefere voltar para casa. Acuada e com vergonha, evita falar muito sobre o assunto com adultos. A solução é amarrar um casaco na cintura e esperar a hora de ir para casa. 

Na escola onde estuda, no CEEP (Centro Estadual de Educação Profissional em Saúde) Monsenhor José Luís Barbosa, bairro Monte Castelo, as condições do banheiro não são das melhores para as pessoas que menstruam. Há portas quebradas, descargas que não funcionam e, de vez em quando, também falta água nas torneiras. “Na maioria das vezes eu prefiro não trocar o absorvente”, relata Nívea. Durante o ciclo menstrual, a escolha da maioria de suas colegas é ficar em casa. 

Tão importante quanto o acesso aos absorventes, a higiene menstrual é um dos assuntos que mais afeta a vida das meninas. Como Nívea, outras  321 mil alunas que estudam em escolas públicas não possuem acesso a banheiros em condições de uso, dentre as quais, 121 mil estão no Nordeste – 37,8% do total de meninas. Além desse número, mais de quatro milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas, o que inclui falta de absorventes e de instalações básicas nas escolas, como banheiros e sabonetes. 

Os dados apontam um contexto ainda mais dramático: 62% das pessoas que menstruam deixam de ir à escola no período menstrual por falta de absorventes em casa. Os dados são de uma enquete produzida pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), realizada com sete mil meninas. Além dos 62%, outros 73% já sentiram constrangimento nesses ambientes. 

Um problema de saúde pública 

Para conter o problema, a Prefeitura de Teresina aprovou uma portaria que permite a execução do Programa de Erradicação da Pobreza Menstrual em escolas e Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs). Com o programa, será feita a distribuição gratuita de absorventes higiênicos por meio de cotas mensais, conforme a quantidade adequada a cada estudante durante o período letivo. 

Segundo a Secretaria Municipal de Educação (Semec), serão beneficiadas famílias que possuem inscrição no Cadastro Único. Situações excepcionais ficarão na responsabilidade da gestão escolar e do conselho de escola. A portaria é semelhante a um serviço oferecido nas escolas estaduais desde 2021. Segundo a Secretaria de Educação do Piauí (Seduc),  a distribuição para a rede estadual tem como base o Censo Escolar. Mais de 115 mil meninas, a partir de nove anos de idade, foram beneficiadas quando iniciou a distribuição. Um ano depois, o número de beneficiadas caiu para 103 mil meninas. 

Enquanto o problema acontece e o programa não é executado em Teresina, instituições e ONGs se articulam para conter a pobreza menstrual. É o caso da Plan International Brasil, uma organização humanitária sem fins lucrativos, que atua em projetos de direitos e igualdade para meninas. Em dois anos, a organização reformou 12 banheiros em escolas públicas de Teresina – nas zonas rural e urbana – com a ajuda de parceiros no projeto Escola de Liderança para Meninas. 

Para Thayná Lima, facilitadora de projetos da ONG, não é só a falta de absorventes que contribui para a pobreza menstrual, mas também a falta de informação e equipamentos necessários para a higiene. “A reforma dos banheiros serve para deixar o ambiente mais acolhedor e empoderador”, declara. “Acreditamos que essas ações são essenciais para as meninas que estão no período menstrual”, comenta Thayná. 

O assunto, que por muitas vezes não é visto pelo prisma da saúde pública, acaba sendo negligenciado pelos governos. Em 2021, o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionou a criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual (Lei 14.214). No entanto, Bolsonaro também vetou a previsão de distribuição gratuita de absorventes femininos para estudantes de baixa renda e pessoas em situação de rua, e o item do projeto que determinava a inclusão de absorventes nas cestas básicas entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).

Pensando em soluções

Um ano após o veto de Bolsonaro, um grupo de mulheres que distribuía cestas básicas para comunidades rurais no Nordeste percebeu que as mães e donas de casa pediam ajuda para comprar absorventes. Vendo a carência do item nas famílias, as voluntárias notaram que, quanto mais os povoados eram afastados da zona urbana, mais as mulheres sofriam com a pobreza menstrual. 

Por conta disso, Juliana Gonçalves fundou o Rebbu, uma organização de impacto social que promove a dignidade menstrual no país. “Percebemos que só a doação não seria uma coisa sustentável, já que no próximo mês essa mulher precisaria de absorventes de novo”, lembra Juliana. 

Além da distribuição de absorventes gratuitos, rodas de conversa para garantir informação sobre o assunto é uma das atividades desenvolvidas pelo grupo. Em outubro de 2022, o projeto esteve no Piauí e capacitou 24 costureiras para a produção de absorventes reutilizáveis de tecido 100% algodão – foram doados 155 produtos. Atualmente, o projeto capacita costureiras das periferias para a confecção de absorventes ecológicos, além das doações dos produtos produzidos e atividades que levam para as escolas informações sobre a dignidade menstrual. 

Com a falta de acesso ao produto, muitas mulheres optam por substituir o uso do absorvente por alternativas prejudiciais como o papel higiênico, roupa velha e papelão. Para  pessoas de baixa renda, tecidos são o item mais usado nessa substituição, mas as voluntárias apontam que o uso de pano e papel higiênico prejudica a vulva da mulher. “É um problema de muitas faces, mas precisa ser encarado como um problema de saúde pública também”, afirma Juliana.

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Categorias: Reportagem

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