O primeiro para-raio de Teresina foi instalado na igreja São Benedito, no Centro da capital. Essa região pertence ao perímetro mais antigo da cidade. Foi ali, na Rua Arlindo Nogueira, cruzamento com a Joaquim Ribeiro, que nas décadas de 60 e 70, cresceram e se criaram quatro personalidades locais, quase lado a lado: Pedro Alcântara (jornalista), Felipe Mendes (ex-vice governador), Robert Rios (atual vice-prefeito) e ela: a indomável Maryvelta Lopes.
Antes de levar o nome de político, Arlindo Nogueira se chamava “Rua do Fio”. Foi o primeiro metro quadrado da cidade a ter luz elétrica e uma tecnologia, à época, transformadora: a telefonia. Era uma avenida em paralelepípedo, casas robustas e bem mais verde do que é hoje. Atualmente, segue tomada de comércios e a cada dia mais cinza. Como foi um dia, só existe na fagulha da memória de Maryvelta.
Naquelas ruas ela dançou muito carnaval, principalmente na praça Pedro II, onde ouviu as melhores marchinhas na companhia das duas irmãs e do único irmão. “Era tudo de uma ingenuidade, uma coisa meio pura”, relembra olhando para cima. A mãe, costureira de mão cheia, passava noites a fio fazendo as fantasias para os filhos. O esforço valia a pena: não queria ver os adolescentes com roupas repetidas nas matinês.
A mãe costurava as roupas e Maryvelta costurava sua história nas linhas de Teresina. Ingressou no serviço público e passou por vários órgãos. Em especial, a Delegacia da Mulher, junto à conhecida delegada Vilma Alves. Lá, viu de perto como as mulheres eram engolidas pelas violências que sofriam dentro de casa. Não foi só uma vez em que presenciou mulheres agredidas, voltando para tirar as queixas contra os maridos. “Por amor, ou necessidade”, suspeita. Os tempos agora são outros: as mulheres têm mais direitos. Mas a fome, a pobreza e a submissão, ainda são as mesmas de outrora.
Agora, ela trabalha no cartório da Delegacia do Idoso. É lá que se registra o boletim de ocorrência, anexam as provas e a documentação dos processos. É preciso muita paciência para administrar a agitação na pequena sala. Um entra e sai fervoroso a todo instante. “Não cabe numa sala as mazelas dessa cidade”, olha para cima suspirando. Tem sido assim, na última década, a rotina matutina de Maryvelta: organizar os problemas mais sérios de Teresina em papéis e boletins. Ellada
Aos 70 anos, Maryvelta carrega uma elegância juvenil. Quem a olha, por trás do amontoado de pastas no cartório da delegacia, é tomado pela beleza colorida da maquiagem nos seus olhos, unhas, roupas e cabelo. As colegas de sala dizem que nunca a viram repetir uma roupa ou sapato sequer. As joias e adereços brilham na pele negra. Ela arrisca costurar seus trajes, mas grande parte encomenda. A vaidade puxou para a mãe que, no auge das festas tradicionais teresinenses, costumava dizer que mulher só precisava ter duas coisas: ‘Dinheiro e marido?’, perguntava Maryvelta. ‘Não”, retrucava no impulso. “Bom gosto e elegância’.
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Essa reportagem faz parte da série “Corisco”, reportagens-retratos com perfis anônimos que compõem o cotidiano urbano da cidade. Os textos são assinados por Vitória Pilar, com edição de Luana Sena, direção de arte de Aline Santiago e fotografias de Regis Falcão.
1 comentário
Renata · 18 de agosto de 2022 às 14:59
Que matéria linda! <3