Há oito meses, Teresina está sob a gestão de José Pessoa Leal, o Dr. Pessoa (MDB) e seu vice-prefeito Robert Rios (PSB). Sob promessas de renovação e esperança, a dupla conquistou o voto de confiança de 62,31% dos eleitores no segundo turno das últimas eleições municipais.
Hoje, 16 de agosto, é o primeiro aniversário da cidade sob o comando dessa prefeitura, que trazia como lema de campanha “uma gestão integrada com o povo”. Em entrevistas e debates, a dupla prometia um “projeto revolucionário”, “inusitado” e “fantástico”. “Vamos tirar Teresina da mesmice”, chegou a afirmar o vice em pré-campanha.
Checamos sete declarações públicas dos gestores da cidade. Nosso recorte começa ainda no período eleitoral, com afirmações em tom de promessas e propostas para a cidade; passa pelos primeiros meses da gestão no enfrentamento a pandemia da Covid-19; e culmina na crise do transporte público – uma das piores enfrentadas por Teresina.
Em todas as ocasiões, as falas de Pessoa e Rios foram exageradas, insustentáveis ou se basearam em dados equivocados. Confira abaixo:
1 – “Parecendo com a Disney”
A campanha eleitoral havia começado oficialmente há pouco mais de um mês quando Dr. Pessoa, ainda candidato, deu entrevista para o televisivo Jornal do Piauí. Pessoa respondia a uma pergunta sobre o tema políticas públicas para crianças vulneráveis quando soltou: “Nós vamos fazer parques de diversão ‘parecendo com a Disney’ aqui em Teresina”.
A fala viralizou nas redes pela desconexão com a realidade e desproporcional comparação. Para se ter uma ideia, um dos últimos parques inaugurados pela franquia Walt Disney, em 2016, teve o investimento do que hoje valeria cerca de R$ 25 bilhões de reais. Enquanto isso, o orçamento aprovado para a cidade é de R$ 3,7 bilhões.
Além do valor que não caberia aos cofres públicos, o incentivo à cultura e lazer tem sido um dos mais ignorados pela gestão. Em entrevista para oestadodopiaui.com, o produtor cultural João Henrique Vieira apontou a inexistência de um plano de trabalho para o setor em 2021. Na ocasião, a Fundação Municipal de Cultura decidiu remanejar o acervo da Casa da Cultura, fechada com problemas estruturais. A inabilidade e falta de atenção para o esporte, cultura, patrimônio e lazer da capital continua com o sucateamento de praças e parques já existentes.
2 – “50% do povo do Maranhão é atendido em Teresina”
Ainda candidato a prefeito de Teresina, Dr. Pessoa (MDB) afirmou, em sabatina da TV Antena 10, no dia 7 de outubro, a surpresa ao descobrir que boa parte do atendimento de saúde feito no município era de pacientes maranhenses.
A checagem da Agência Lupa, no entanto, revelou que o dado era falso. Dados do Hospital de Urgência de Teresina (HUT), enviados pela assessoria de imprensa do hospital, mostram que apenas 5,14% dos pacientes atendidos em 2020 eram maranhenses – 94,55% corresponde a piauienses e 0,32 a pessoas vindas de outros estados.
O número de pacientes internados, à época, no HUT, também era semelhante: 5,6% do Maranhão, 93,62% do Piauí e 0,78% de outros estados.
Em relação aos outros hospitais da rede municipal, a Fundação Municipal de Saúde (FMS) informou que apenas 27 municípios maranhenses eram pactuados com Teresina para envio de pacientes para atendimento na capital.
3 – “Dois meses para corrigir o sistema”
Um dos principais tópicos explorados no plano dos gestores diz respeito à mobilidade urbana. A reestruturação do serviço de transporte público municipal era uma das principais bandeiras de campanha da dupla, que apontava problemas herdados por gestões anteriores.
Antes mesmo do início do mandato, o vice-prefeito Robert Rios disse em entrevista à TV Clube: “Nós vamos chamar os empresários (…) eles vão ter um prazo de dois meses para corrigir o sistema. Se não corrigirem, o Dr. Pessoa promete municipalizar o sistema de ônibus”.
No plano de gestão municipal é apontado a reorganização e ampliação de novas rotas e estações.
No entanto, nos últimos meses, o sistema de transporte público da capital vem enfrentando uma de suas maiores crises, envolvendo paralisação de frotas por tempo recorde, demissão em massa de funcionários e impasse entre empresários e o poder público. Uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) foi instaurada em maio para investigar irregularidades no transporte público da cidade e segue ainda sem conclusão.
4 – “Teresina não precisa de lockdown”
No início da gestão de Dr. Pessoa e Robert Rios, outro aspecto que causou conflito foi a divergência de ideias sobre a necessidade de restringir o funcionamento de comércio e bares em um dos momentos mais críticos da pandemia. Ainda sem vacinação e medicação cientificamente comprovada, a única medida eficaz no combate ao contágio pelo novo coronavírus era o distanciamento social.
Enquanto boa parte do país apertava suas medidas de restrição na circulação de pessoas, o prefeito de Teresina gravou um vídeo em seu perfil no Instagram, no dia 23 de fevereiro. “Teresina não precisa [de] lockdown parcial nem total”, afirmava. “Precisa de fiscalização rígida e conscientização”.
Um memorando da FMS ao qual o site The Intercept Brasil teve acesso no mês seguinte revelou que, a época, a cidade sofria com escassez de remédios do “kit intubação”, essenciais para pacientes em UTIs de Covid-19. O documento pedia a compra emergencial porque a cidade estava “em situação semelhante ao início da pandemia” e as taxas de ocupação de UTI estavam próximas à capacidade total.
Em março, o governo do estado proibiu o funcionamento do comércio e shoppings de sexta à domingo, por meio do decreto Nº19.529/2021. A prefeitura municipal, na contramão, assinou um documento autorizando a abertura do comércio na sexta-feira, 19, por até nove horas.
Na véspera, 18, o juiz João Antônio Bittencourt Braga Neto derrubou a medida administrativa da prefeitura, apontando a situação de calamidade no país causada pela pandemia como motivo para não flexibilizar.
A situação se repetiria no mês seguinte. Em abril, o governo estadual continuou a prorrogar o fechamento de atividades não essenciais aos finais de semana. No entanto, no dia 16 de abril, a prefeitura permitiu o funcionamento do comércio, contrariando o aviso do próprio presidente da Fundação Municipal de Saúde, Gilberto Albuquerque. Na época, o médico alertou que Teresina vivia uma segunda onda da pandemia e que só o fechamento do comércio poderia refletir na queda dos números de casos, bem como na redução de ocupação dos leitos.
5 – “A prefeitura não deve nada”
No dia 2 de março deste ano, profissionais da rede pública de saúde de Teresina paralisaram denunciando a redução de seus salários. Munidos de cartazes e gritos de protestos, um grupo se reuniu em frente à prefeitura da capital para cobrar respostas dos gestores.
O sindicato das categorias denunciava uma redução de 50% nos salários – fato que, segundo a FMS teria acontecido devido ao corte de recursos vindos do Ministério da Saúde para despesas geradas pela Covid-19.
O grupo da rede municipal de saúde vaiou o prefeito que apareceu na escadaria do palácio e discursou, afirmando que a prefeitura não devia “nem um centavo aos trabalhadores”. Os profissionais responderam com mais vaias e gritos de “mentiroso!”.
6 – “Quem reclama do transporte público tem isenção”
Em 15 de junho, a cidade já vivia o caos do transporte público, com frotas reduzidas e paralisações dos motoristas, quando o vice-prefeito, Robert Rios, atribuiu o valor elevado da passagem ao benefício da gratuidade.
“Quando você ouvir alguém reclamando de transporte coletivo de ônibus, pode ter certeza de que são pessoas que têm essa isenção do transporte”, disse em entrevista à TV local.
Robert Rios argumentou fazendo uma série de correlações não comprovadas. “A passagem hoje está tão cara que quem compete com esses ônibus é um cara em um Gol, um cara em uma van”, afirmou, completando que “esses caras levam as pessoas aos bairros pelo mesmo valor da passagem”. Na sequência, concluiu: “Quem não consegue andar de graça nesses carros, chamados piratas, são as pessoas que têm isenção”.
A afirmação é insustentável, visto que o cálculo do preço de uma corrida por aplicativo varia segundo fatores como o tempo e a distância da viagem. Quando há mais usuários do que motoristas circulando – fato que aconteceu com a paralisação dos ônibus na capital – os preços podem aumentar temporariamente até que a oferta e a procura se reequilibrem. No entanto, de um modo geral, a tarifa mínima da maioria dos apps de viagem fica entre 4 e 10 reais – valor que por si só desmontam a versão apresentada pelo vice.
7 – “Uma única Van transportou mais passageiros que o metrô de São Paulo”
Em julho, voltando a comentar a crise do transporte público em Teresina, Robert Rios comentou a investigação da CPI em entrevista à TV Cidade Verde. O vice-prefeito afirmou que os documentos colhidos mostram uma situação mais grave do que se imaginava.
Ao anunciar a decisão da prefeitura de retirar o sistema de bilhetagem eletrônica do comando do Setut – Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros de Teresina – ele insinuou possíveis fraudes na arrecadação das empresas.
A afirmação é, no mínimo, precipitada, visto que o relatório da CPI ainda não foi concluído nem apresentado. Novamente o gestor faz correlações sem provas concretas – para se ter uma ideia, a rede metroviária da cidade de São Paulo transporta mais de 5 milhões de passageiros por dia.
Segundo a Strans (Superintendência de Transporte e Trânsito da Capital), em média 200 mil passageiros usavam o transporte público, por dia. Com a pandemia, o número reduziu em 82% – hoje, o sistema de ônibus coletivo tem uma média diária de 30 a 36 mil passageiros. Números, portanto, muito distantes do levantado, sem provas, pelo vice-prefeito.
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