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Mais rico ou menos pobre?

Pessoas com renda a partir de R$ 2,5 mil estão entre as “mais ricas” do Piauí; valor não chega à metade necessária para sobreviver

07 de dezembro de 2022
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Rico e pobre são conceitos subjetivos para cada sociedade, mas, para fins analíticos, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que a classe A é formada por pessoas de famílias com renda acima de 20 salários mínimos. Um estudo realizado pela Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) divulgado nas últimas semanas trouxe, no entanto, um novo referencial de “riqueza”. O levantamento apontou que, no Piauí, quem ganha um salário de R$ 2.499,67 está entre os 10% mais ricos do estado.

O economista Francisco Sousa explica que há diversos fatores que caracterizam um cidadão como rico ou pobre – ou mais rico ou mais pobre que os demais -, dependendo do estado em que viva. “Pessoas pertencentes à mesma classe social podem ter padrões de vida diferentes, de acordo com seu estado”, disse. O especialista destaca que muitos fatores contribuem para essa diferença, como o preço dos produtos, custo do transporte, entre outros.

Contudo, receber o salário estipulado pelo RAIS não garante uma boa qualidade de vida no Piauí. A pesquisa busca realçar a pobreza enfrentada pela população piauiense, da qual, 17,10% ainda vivia – em 2020 – com renda domiciliar per capita (por habitante) inferior a ¼ do salário mínimo – ou seja, na linha da pobreza. No último ano, o governo do estado divulgou o avanço da luta contra a pobreza, mas o índice ainda é preocupante e supera o percentual dos “mais ricos”.

Mesmo estando entre os 10% considerados mais ricos do Piauí, segundo o estudo, Liliane Viana garante que não se sente pertencente a esse grupo. Sua renda mensal como professora é de R$ 4.500,00 – quase o dobro do valor estipulado para ser considerado rico. A renda de Liliane, somada à do marido, totaliza o valor mensal de R$ 8.000,00 para a família composta por quatro pessoas. Mesmo assim, conta, enfrentam dificuldades de arcar com as despesas. “Nosso custo mensal tem sido maior que a renda porque ainda pagamos o carro, escola e faculdade das nossas duas filhas”, compartilhou à reportagem.

Segundo a professora, os cartões de crédito têm sido uma saída para pagar as despesas que a renda fixa não é capaz de suprir. Mas devido à alta no preço dos produtos, os valores das faturas não diminuem, apesar da tentativa de economizar na hora de ir às compras. “Mesmo selecionando os produtos com menores preços e comprando só os produtos considerados básicos, nossas despesas não diminuem”, explica Liliane, que sente o peso do custo de vida no Piauí principalmente nos gastos com saúde e alimentação. 

A experiência de Liliane está relacionada a um fator que vai muito além da gestão financeira. Um levantamento da Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, divulgado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), explica essa realidade. O estudo aponta que o salário mínimo do brasileiro deveria ser de R$ 6.012,18 – quase cinco vezes o valor atual – para manter apenas o custo básico de vida de uma família de quatro pessoas. 

A estimativa da RAIS considera, por exemplo, o custo com  internet. Esse item não foi considerado na instituição do salário mínimo, apesar de ter se tornado essencial para a população com a digitalização acelerada de trabalhos e serviços nos dois últimos anos marcados pela pandemia.

Lado a lado, os dois dados dão pistas do abismo entre o que se precisa ganhar para sobreviver e para ser considerado rico em sociedades tão economicamente desiguais. No Piauí, por exemplo, mesmo que uma pessoa, segundo a estimativa da RAIS, esteja entre os 10% mais ricos do estado, sua renda mensal pode ser ainda bem aquém do necessário para se viver nos dias de hoje.

Com uma renda mensal fixa de R$ 1.212,00, Maria Gonçala da Silva sente na pele e no bolso a insuficiência do salário mínimo. Ela é auxiliar de serviços gerais, vive com os dois filhos e, para aumentar a renda e arcar com o mínimo que precisam, trabalha como faxineira pelo menos uma vez ao mês. Somando o trabalho formal com outras atividades, a família costuma alcançar uma renda mensal de R$ 2 mil. “Consigo manter somente nossas necessidades básicas e com muito sacrifício”, disse à reportagem.

A insuficiência inquestionável da renda mínima atual do trabalhador brasileiro implica no descumprimento direto da Lei nº 8.222 da Constituição Federal. A lei determina que o salário mínimo deve ser “capaz de satisfazer, em qualquer região do País, as necessidades vitais básicas, bem como as de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”. 

O economista Francisco Sousa, pela UFPI,  explica porque a remuneração do trabalhador brasileiro não consegue acompanhar seu custo de vida básico. “Desde a criação do salário mínimo, deveria haver uma política pública gradativa e continuada, com ações concretas, para acompanhar o custo de vida do cidadão”, disse. Como isso não acontece, não se pode, segundo o especialista, mudar o salário mínimo imediatamente. “Isso levaria a uma inflação imediata e as empresas, órgãos públicos e empregadores não seriam capazes de remunerar os trabalhadores”, explicou ao oestadodopiaui.com.

Se as projeções para 2023 se confirmarem, o salário mínimo terá um reajuste de R$ 81, a partir de janeiro. O aumento chega a ser irrisório diante do atual custo de vida no Brasil.

Endividados

No Brasil, pessoas das classes C, D e E têm se endividado para poder alimentar-se. É o que revela um estudo do Instituto Plano CDE, ao apontar que brasileiros recorreram a empréstimos nos últimos meses para comprar comida. Para a camada mais pobre da população, o endividamento tem sido uma condição para a sobrevivência.

Segundo o levantamento, de 45% a 50% dos entrevistados indicaram que as maiores dificuldades foram as contas do mês e alimentação –  a realidade vivida por Maria Gonçala da Silva. Com renda fixa de um salário mínimo, o gasto médio com alimentação para ela e os dois filhos é de R$ 500,00 por mês. O valor compromete 41% do seu salário.

A dificuldade de Maria Gonçala e de muitos brasileiros tem uma razão: hoje, uma cesta básica equivale a 55% do salário mínimo. O dado é de um levantamento produzido pela CNN, com base em dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O estudo considerou o valor dos alimentos em 16 capitais do país, desde 1998, e comparou com o respectivo salário mínimo de cada ano.

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Categorias: Reportagem

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