quinta-feira, 9 de maio de 2024

O Piauí de vento em popa

Um dos estados que mais cresce na produção de energia verde tem movimentado a economia local, mas os impostos vão para fora

03 de julho de 2023

Depois de um longo percurso pelo semiárido piauiense pela PI-459, quase chegando ao município de Lagoa do Barro do Piauí, a 546 km da capital, desponta no horizonte algo que se assemelha a um cata-vento. De repente, vários outros surgem e o tamanho colossal impressiona. Eles fazem parte do complexo Lagoa dos Ventos, com 230 turbinas eólicas em atividade, sendo o maior parque de energia eólica em operação na América Latina. E não são os únicos do Piauí, hoje o terceiro maior produtor do país e tendo ainda o maior crescimento na geração de energia eólica, com parques instalados desde o litoral (norte) ao extremo sul e a perspectiva de aumento com 17 unidades a serem instaladas. No entanto, apesar de ser uma grande potência na produção de energia limpa, o estado acaba ficando com uma pequena fatia tanto nos lucros quanto na produção, com famílias que olham para essas grandes estruturas à noite, à luz de lamparinas.

O Complexo Lagoa dos Ventos é o maior parque em operação na América Latina.

O Brasil hoje é um grande celeiro de energia renovável no mundo. Dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE, apontam que somente nos últimos anos 10 anos, os parques eólicos, fazendas solares, usinas hidrelétricas e biomassa acrescentaram mais de 50 mil megawatts de potência à rede elétrica do país, o que corresponde a mais de três usinas do tamanho de Itaipu – uma das maiores do mundo. Somente com os parques eólicos, o crescimento foi de sete vezes em uma década. Dessa produção, o Piauí hoje desponta com o maior crescimento na geração desse tipo de energia. Em 2022, o estado contou com um aumento de 24,85%, superando a média nacional que foi de 12,6%.

Os dados apontam para um horizonte otimista na produção de energia renovável, tendo em vista que hoje, as usinas hidrelétricas, eólicas, solares e de biomassa foram responsáveis por 92% do total de eletricidade produzida pelo país, maior percentual dos últimos 10 anos. Somente no Piauí, com a autorização da Aneel da instalação de mais 17 unidades na Usina Eólica Ventos de Santa Rosa, em Dom Inocêncio, a 615 km da capital, a potência total instalada chegará a 836 mil KW.

Só com a energia eólica, segundo dados da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Regional, Abastecimento, Mineração e Energias Renováveis (Sedramer), o Piauí hoje conta com a produção de 3,5 GW, com um aumento previsto de 746,10 MW das usinas em construção, e mais 2,5 GW que devem ser incluídos com as que ainda vão iniciar a obra.

E isso pode ter um crescimento ainda maior com a descoberta do potencial do estado para a produção de hidrogênio verde, um combustível universal extraído a partir do processo de eletrólise da água. Esse método, que não emite dióxido de carbono, atende à demanda de descarbonização do planeta, um dos objetivos estipulados por países de todo o mundo até 2050.

Movendo o moinho da economia

E mais do que a produção de energia, as usinas proporcionam ainda uma movimentação na economia das cidades durante o processo de construção, como a chegada de engenheiros e técnicos, que incrementam o mercado de hotelaria, restaurantes e serviços, além da geração de empregos para pessoas da região.

A cidade de Dom Inocêncio conta hoje com o Complexo Eólico Oitis, formado por 12 parques eólicos, localizados no sul do Piauí e na Bahia. O empreendimento entrou em operação comercial em 2022 e, desde sua obra, já vem beneficiando a cidade. O secretário de administração do município, Valney Sousa, lembra da efervescência econômica com a implantação do projeto e conta que ele modificou a realidade do município. “Tivemos um crescimento muito grande tanto com os impostos gerados pela obra como pela movimentação de trabalhadores”, explica.

Já no outro extremo do estado, na região litorânea, fica localizado o Parque Eólico Pedra do Sal, um dos primeiros no Piauí com operação iniciada no final de 2008. Nesse complexo, a operação comercial da usina com potência instalada é de 18 MW, apresentando capacidade comercial de 5,7 MW médios. Em 2022, a geração total bruta de Pedra do Sal alcançou 44,6 GWh, 10,8% inferior aos 50,0 GWh gerados em 2021.

Algumas usinas eólicas incrementam a paisagem como na Pedra do Sal, no litoral piauiense. Foto: Diego Iglesias/O Estado do Piauí

Ventos contrários e escuridão

Se por um lado temos uma visão do céu quanto à geração de energia elétrica limpa no Piauí, por outro temos um abismo em relação às pessoas das comunidades que rodeiam os parques. Com o fim das obras, como a operação das usinas é feita praticamente de forma remota por empresas localizadas em outros estados, moradores alegam que restaram poucas vagas operacionais para quem vive no local. Em Lagoa do Barro, por exemplo, a cidade voltou a depender da administração pública com após a conclusão das instalações, a rede hoteleira e de serviços teve uma queda, deixando a cidade num vazio.

Na comunidade Pedra do Sal, onde está localizada a usina de mesmo nome, os moradores hoje não sentem os benefícios econômicos. O borracheiro Marco Nascimento Sousa, que nasceu na comunidade onde mora há 47 anos, destaca que a única mudança que observou foi a paisagem que ganhou cata-ventos gigantes. Ele alega que os terrenos onde estão instaladas as usinas são particulares e que, no máximo, foram feitas algumas obras de asfaltamento de acesso à usina. “Para a gente, para a população que mora aqui, que eu saiba até agora não teve nada [de benefícios], só algumas pessoas que conseguiram arranjar um emprego na empresa através de ‘peixada’ e estão trabalhando, o que é muito bom. Mas aqui a gente paga uma energia caríssima e isso é um absurdo porque a gente fica olhando pra ela [usina]”, lamenta.

Marco mora ao lado de usina e diz que não vê benefícios nem na tarifa .FOTO: Diego Iglesias/ O Estado do Piauí 

Para o morador, a empresa poderia se espelhar na ação de outras usinas, que realizaram benfeitorias nas comunidades, mas que na realidade local o recurso é apenas repassado para a prefeitura. Marco acredita que esse retorno econômico não chega como deveria em sua região. “Apesar deles terem se instalado aqui, era para a empresa ter beneficiado a comunidade em alguma coisa como calçamento, creche, quadra de esportes”, acrescenta Marco.

Da mesma forma, a cidade de Dom Inocêncio hoje teve que se readaptar. O líder comunitário Josué explica que algumas comunidades da zona rural do município viram as obras dos parques à noite com luz de lamparinas e só agora estão recebendo a ligação elétrica nas suas casas. “Eram comunidades próximas desses lugares”, destaca.

O secretário de administração, Valney Sousa, destaca que é inegável a transformação das usinas na vida da população, mas que os maiores benefícios estão indo para outros estados. “Apesar da energia ser produzida aqui, ela é lançada para fora. Os tributos são no consumo da energia e ela é lançada para fora. Aí como a maior parte do consumo é pra fora, não é tributado aqui. Ficamos com poucos empregos e o impacto ambiental”, destaca.

“Apesar da energia ser produzida aqui, ela é lançada para fora. Os tributos são no consumo da energia e ela é lançada para fora. Aí como a maior parte do consumo é pra fora, não é tributado aqui. Ficamos com poucos empregos e o impacto ambiental”

A superintendente da Secretaria de Estado da Fazenda, Graça Moreira Ramos, é otimista quanto à instalação das usinas, mesmo com as perdas levantadas por Valney, o que ela prefere definir como “não prejuízo” dos impostos. Ela explica que a regra do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] define que a cobrança deve acontecer no local de consumo, o que é válido para a energia e o combustível, sendo este não sendo produzido no Piauí, mas que o imposto vai para os cofres piauienses.

“Tem essas duas inserções na regra, que é para combustível e energia elétrica, que é todo [cobrado] no destino. É uma regra constitucional e é cobrado apenas quando há o consumo.

A gente, aqui no Piauí, gera energia e só recebemos o imposto do que é consumido aqui. Por outro lado, não produzimos petróleo e recebemos todos os impostos relativos ao consumo, que são muitos. Então é uma troca que compensa no final”, explica a gestora.

Para ela, além desse fator tributário, ainda existe a movimentação econômica nos locais onde as usinas são instaladas, com a contratação de pessoal e logística. “Existe uma roda econômica que cerca isso. Ela tem os benefícios recorrentes”, acrescenta Graça.

Reforma tributária: distribuição de renda e imposto também

Essa taxação de impostos é um dos pontos bastante discutidos na reforma tributária, que está em discussão há muitos anos no Congresso. Além dos nomes estranhos e números que embaralham a mente de quem é de humanas, ela pode influenciar até mesmo para o barateamento da energia, estabelecendo mudanças na tributação do consumo, com efeitos na distribuição de renda e na redução das desigualdades.

Em entrevista à Rádio Senado, em maio, o secretário extraordinário para reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, explicou que é necessário a correção da incidência cumulativa dos tributos indiretos: PIS, Cofins e IPI, no âmbito federal, ICMS no âmbito estadual além do ISS, nos municípios. Com isso, eles serão substituídos por um único imposto, de valor agregado, simplificando a cobrança.

A superintendente da Sefaz, Graça Moreira Ramos, explica que a regra vai beneficiar o Piauí, principalmente pelo fato de o estado ser mais consumidor do que produtor de produtos em soma geral. “A reforma vai passar a ter tudo no destino. A mesma regra vai valer para todos os produtos. É bastante positivo para o Piauí”, finaliza.

Rafael Fonteles durante reunião com governadores e Arthur Lira Foto: Renato Braga

O projeto segue sendo discutido desde 2019. O governador Rafael Fonteles é um dos líderes na discussão do tema e já se reuniu, junto com governadores e parlamentares, com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, para tratar da agilidade na votação da Reforma Tributária. O texto deve ser levado ao plenário da Casa na primeira semana de julho para ser discutido, aperfeiçoado e colocado em votação.

 

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Diego Iglesias

Jornalista, mestre em comunicação pela Universidade Federal do Piauí.

2 comentários

Jose Costa de Sousa · 7 de julho de 2023 às 10:51

Muito bom os projetos que estão sendo construídos no Piauí dd energia Eólica e solar , está melhorando bastante a vida de nosso Povo. Tem também o benefício do recebimento do aluguel das terras onde estão instalados os Parques Eólicos e Solares , pois os proprietários das Terras recebem mensalmente um bom valor por cada Torre instalada em sua Terra,,,variando de 3 a 5 mil reais mensal pelo rendimento da energia. E o Solar paga também pelo aluguel da área da Usina.

José Costa de Sousa · 7 de julho de 2023 às 10:54

Muito bons os projetos de Parques de Energia Eólica

Deixe um comentário

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *