Kariri da Serra, uma pequena comunidade indígena na zona rural de Queimada Nova, ao sul do Piauí, resiste desde a fundação do estado. No lugar, atualmente, moram cerca de 60 famílias, mas já houve mais. A comunidade, assim como outras no estado, tem sofrido com a oscilação populacional e migração da juventude. Isso não passou despercebido aos olhos de Maria Francisca Ferreira, a primeira cacica da comunidade. Há três anos, ela foi escolhida para resolver os conflitos locais, representar a comunidade e lutar pelos direitos dos que moram no lugar.
Por conta da liderança, Maria Francisca precisou empenhar-se em políticas públicas para proteger a cultura da comunidade. “A nossa luta é para resgatar nossa história”, afirmou. “Por muito tempo tivemos que viver os costumes dos outros”. Ao passo que Queimada Nova crescia, a demanda de grandes empresas começou a ameaçar o território dos Kariris. “Muitas pessoas chegavam aqui e tentavam tomar nosso espaço”, relata a cacica. “Quando íamos cobrar políticas públicas, o governo dizia que não era possível porque não sabiam onde nós morávamos”, completa. A confusão geográfica se deve ao fato da comunidade estar situada próxima à fronteira do Piauí com os estados Pernambuco e Bahia.
O cenário mudou quando Kariri passou a ser reconhecida como a primeira comunidade indígena do Piauí. A ação fez parte de um projeto lançado em 2016, quando foi criada, pela primeira vez, a comissão responsável pela regularização fundiária das áreas ocupadas por comunidades indígenas. Kariri conseguiu ser reconhecida somente em setembro de 2020 e, dois anos depois, o governo do estado fez a segunda entrega de um título de terra, em Piripiri, ao Povo Tabajara.
Com o território regularizado, é possível reivindicar políticas públicas e direitos. De acordo com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), atualmente há 680 áreas nos registros da FUNAI. Dentre elas, 443 áreas no Piauí são locais cujos processos de demarcação se encontram homologados; 237 se encontram sob análise. Conforme dados parciais do IBGE, até o momento, Teresina tem o maior índice de pessoas que se autodeclararam indígenas.
No Piauí, a população autodeclarada indígena cresceu cerca de 116% desde o censo 2010, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com os números parciais apresentados, esta população no estado representa 0,22%, totalizando 6.370 pessoas autodeclaradas indígenas. No Censo de 2010, essa população era de 2.900.
Para o supervisor geral do IBGE no Piauí, Eyder Mendes, a regularização fundiária do estado para os povos indígenas pode estar estimulando essas pessoas a se reconhecerem como tais. “Antigamente, a população tinha vergonha de se assumir como de etnia indígena”, afirma Eyder. “Com o tempo isso tem mudado, agora eles passaram a ter orgulho de informar sua origem”.
O Piauí conta, atualmente, com pelo menos nove comunidades que se auto reconhecem indígenas, em diferentes regiões do estado. Entre eles estão: os Geguê do Sangue e os Caboclo (Uruçuí), Gamelas (Bom Jesus, Baixa Grande do Ribeiro, Currais e Santa Filomena), Tabajara (Piripiri), Kariri (Queimada Nova e Paulistana), Tabajara Ypy (Piripiri – Canto da Várzea), Tabajara da Oiticica (Piripiri – Oiticica II) , Tabajara Tapuio (Lagoa de São Francisco) e os Warao (Teresina).
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Em 2020, no auge da pandemia da Covid-19, os indígenas Gamela tiveram suas casas incendiadas e hortas devastadas na comunidade Barra do Correntim, localizada na zona rural de Bom Jesus, no Piauí. Segundo o relatório “Violência Contra Povos Indígenas no Brasil”, a invasão foi motivada por prática de grilagem – termo usado para a ação de posse de terras de forma ilegal. “Aqui, grileiro vem de tudo que é lugar. É uma praga”, relembra James Gamela, liderança da comunidade. “Se espalha mais que o coronavírus”, relatou o líder.
Mais que garantir políticas para erradicação de violências e práticas discriminatórias contra essas comunidades, é papel do estado garantir segurança e proteção a esses povos – como afirma a professora e antropóloga Carmen Lima. “O sumiço dessas comunidades se dá principalmente pela perseguição e violência da sociedade”, afirma à reportagem.
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