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Piauí, terra indígena

Em 10 anos, população piauiense autodeclarada indígena cresceu cerca de 116%; regularização fundiária estimula reconhecimento

11 de novembro de 2022

Edição Luana Sena

Kariri da Serra, uma pequena comunidade indígena na zona rural de Queimada Nova, ao sul do Piauí, resiste desde a fundação do estado. No lugar, atualmente, moram cerca de 60 famílias, mas já houve mais. A comunidade, assim como outras no estado, tem sofrido com a oscilação populacional e migração da juventude. Isso não passou despercebido aos olhos de Maria Francisca Ferreira, a primeira cacica da comunidade. Há três anos, ela foi escolhida para resolver os conflitos locais, representar a comunidade e lutar pelos direitos dos que moram no lugar. 

Por conta da liderança, Maria Francisca precisou empenhar-se em políticas públicas para proteger  a cultura da comunidade. “A nossa luta é para resgatar nossa história”, afirmou. “Por muito tempo tivemos que viver os costumes dos outros”.  Ao passo que Queimada Nova crescia, a demanda de grandes empresas começou a ameaçar o território dos Kariris. “Muitas pessoas chegavam aqui e tentavam tomar nosso espaço”, relata a cacica. “Quando íamos cobrar políticas públicas, o governo dizia que não era possível porque não sabiam onde nós morávamos”, completa. A confusão geográfica se deve ao fato da comunidade estar situada próxima à fronteira do Piauí com os estados Pernambuco e Bahia.

Cacica Francisca, representante da comunidade Kariri (Foto: arquivo pessoal)

O cenário mudou quando Kariri passou a ser reconhecida como a primeira comunidade indígena do Piauí. A ação fez parte de um projeto lançado em  2016, quando foi criada, pela primeira vez, a comissão responsável pela regularização fundiária das áreas ocupadas por comunidades indígenas. Kariri conseguiu ser reconhecida somente em setembro de 2020 e, dois anos depois, o governo do estado fez a segunda entrega de um título de terra, em Piripiri, ao Povo Tabajara.

Com o território regularizado, é possível reivindicar políticas públicas e direitos. De acordo com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), atualmente há 680 áreas nos registros da FUNAI. Dentre elas, 443 áreas no Piauí são locais cujos processos de demarcação se encontram homologados; 237 se encontram sob análise. Conforme dados parciais do IBGE, até o momento, Teresina tem o maior índice de pessoas que se autodeclararam indígenas. 

No Piauí, a população autodeclarada indígena cresceu cerca de 116% desde o censo 2010, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com os números parciais apresentados, esta população no estado representa 0,22%, totalizando 6.370 pessoas autodeclaradas indígenas. No Censo de 2010, essa população era de 2.900.

Kariri, primeira comunidade indígena reconhecida no Piauí (Foto: ascom Interpi)

Para o supervisor geral do IBGE no Piauí, Eyder Mendes, a regularização fundiária do estado para os povos indígenas pode estar estimulando essas pessoas a se reconhecerem como tais. “Antigamente, a população tinha vergonha de se assumir como de etnia indígena”, afirma Eyder. “Com o tempo isso tem mudado, agora eles passaram a ter orgulho de informar sua origem”.

O Piauí conta, atualmente, com pelo menos nove comunidades que se auto reconhecem indígenas, em diferentes regiões do estado. Entre eles estão: os Geguê do Sangue e os Caboclo (Uruçuí), Gamelas (Bom Jesus, Baixa Grande do Ribeiro, Currais e Santa Filomena), Tabajara (Piripiri), Kariri (Queimada Nova e Paulistana), Tabajara Ypy (Piripiri – Canto da Várzea), Tabajara da Oiticica (Piripiri – Oiticica II) , Tabajara Tapuio (Lagoa de São Francisco) e os Warao (Teresina).

Leia mais: O direito à terra está associado à garantia de políticas públicas e cuidado ancestral

 Em 2020, no auge da pandemia da Covid-19, os indígenas Gamela tiveram suas casas incendiadas e hortas devastadas na comunidade Barra do Correntim, localizada na zona rural de Bom Jesus, no Piauí. Segundo o relatório “Violência Contra Povos Indígenas no Brasil”, a invasão foi motivada por prática de grilagem – termo usado para a ação de posse de terras de forma ilegal.  “Aqui, grileiro vem de tudo que é lugar. É uma praga”, relembra James Gamela, liderança da comunidade. “Se espalha mais que o coronavírus”, relatou o líder. 

Mais que garantir políticas para erradicação de violências e práticas discriminatórias contra essas comunidades, é papel do estado garantir segurança e proteção a esses povos – como afirma a professora e antropóloga Carmen Lima. “O sumiço dessas comunidades se dá principalmente pela perseguição e violência da sociedade”, afirma à reportagem. 

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