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Entre promessas e riscos

Depois de décadas e muita confusão, as obras do Porto de Luís Correia foram retomadas com divergências de opiniões e um possível risco de impacto ambiental

27 de junho de 2023

“Eles disseram que agora vai, mas eu não sei. Já faz tanto tempo, tanta promessa que nem sei se acredito”. A fala incrédula é do senhor Luizão, antigo pescador e hoje comerciante de peixes em Luis Correia que, sentado no seu comércio em uma terça-feira quente de junho, joga conversa fora com amigos entre uma venda e outra. Ele é um dos milhares de piauienses que viram os anos passar com a promessa da criação do tal Porto de Luis Correia, o elefante branco do litoral piauiense que se arrasta por cerca de meio século e hoje tem gerado divergências de opiniões acerca da sua conclusão, mas que, finalmente, promete sair do papel mais uma vez pelo menos como um terminal pesqueiro e, futuramente, um porto. Entre mudanças, vai e vem de recursos, pesquisadores, comunidade e empresários dividem uma gangorra na qual, de um lado está o desenvolvimento econômico e, do outro, a fauna e flora marítima de toda extensão do litoral piauiense em risco.

Enquanto as obras não iniciaram, o espaço segue em situação de abandono. Foto: Diego Iglesias/O Estado do Piauí

O Porto de Luis Correia foi idealizado na década de 1960, mas a primeira pedra só foi colocada em 1976. Desde então, ele vem se arrastando, consumindo dinheiro público como a maresia consome hoje a estrutura de ferro retorcida de um cais abandonado que se assemelha a uma paisagem de filme de terror. Entre os entraves burocráticos, paralisações, denúncias de superfaturamento, esse elefante já consumiu mais de R$ 380 milhões. Para se ter uma ideia, com o valor já desperdiçado, seria possível construir cerca de 400 escolas com 13 salas de aula e de alto padrão.

Ao assumir o governo em 2023, uma das promessas do governador Rafael Fonteles foi de retomar a obra. No entanto, como o Piauí hoje vive um outro momento na economia, as necessidades comerciais mudaram um pouco e isso fez com que o projeto fosse readaptado, dividido em duas funções: um terminal pesqueiro e o porto. E mais do que obras específicas em um determinado local, elas irão movimentar uma mega estrutura que corta todo o Piauí, envolvendo malha hidroviária e ferroviária, educação e empreendedorismo.

Em julho, o governador assinou a ordem de serviço para as obras do cais do terminal pesqueiro do Porto de Luís Correia, na Praia do Quebra-mar. O investimento, que será gerido pela Agência de Desenvolvimento Estratégico do Estado do Piauí – Investe Piauí-, é de mais de R$ 89 milhões e inicia com a dragagem do rio Igaraçu e a criação de um cais de 180 metros para receber embarcações de até 7m de calado e 60 toneladas, bem como obras de infraestrutura para descarga do pescado. A previsão de entrega é até o fim do ano.

Além disso, o projeto contempla a reforma e ampliação da Unidade Escolar Ricardo Augusto Veloso, que será chamada de Escola do Mar e contará com uma proposta de ensino médio integrado à educação profissional voltada a atividades marítimas. A ideia é a formação de mão de obra especializada para atender as demandas de operação do Porto. A previsão de entrega é até março de 2024.

Entusiasmado com o projeto, o governador Rafael Fonteles já começou a costurar as primeiras conexões comerciais para o Porto de Luís Correia. Em viagem à Europa, conseguiu um saldo positivo com investimento de R$ 50 bilhões de empresas estrangeiras para a produção de energia verde no Piauí, outra menina dos olhos do governador, e que depende do porto para sua funcionalidade comercial. “Estou muito empolgado com essa obra que vai aumentar ainda mais os interesses dos investidores e colocará o Piauí de vez no mercado doméstico e internacional da produção de pescados”, comemorou nas redes sociais durante a assinatura da ordem de serviço do terminal.

Maquete mostra como deve ficar o local com o fim das obras

O pescador Luis Rogério de Sousa, presidente da Associação dos Armadores de Pesca do Piauí (AAPESPI), aguarda ansioso pelo fim das obras e afirma que um dos pontos importantes nesse projeto é o diálogo com o governo a fim de adequar às suas necessidades. “A criação desse cais pra nós que estamos na área vai ser muito importante. Estamos todos ansiosos porque pra nós que estamos na pesca vai nos ajudar porque vai ter a possibilidade de escoar nosso produto e a expectativa de aparecer investidores, pessoas que queiram comprar nossos produtos. Vai ser bom tanto pra quem já está aqui como pra quem vai chegar”, comemora.

Como o escoamento dessa produção depende de várias conexões, o projeto integra ainda vários modais de transporte. O presidente da Companhia Ferroviária do Piauí, José Augusto Nunes, explica que está sendo elaborado um projeto para suprir as necessidades de transporte do complexo portuário. O trajeto é do Sul do Piauí por meio de balsas até Teresina e seguindo por ferrovia até Luis Correia, o que deve baratear os custos de transporte. “É um projeto que contará com parcerias e isso é importante ressaltar. Nos projetos da ferrovia e da hidrovia com terminais e do porto com terminais graneleiro e petroleiro vai ficar em torno de R$ 28 milhões”, destaca com empolgação.

Luis Correia em destaque

Se para o Piauí inteiro existe uma grande expectativa quanto à economia, escoamento de produção e novas perspectivas de negócios com a implementação do porto, a cidade de Luis Correia, hoje com população estimada de 30 mil pessoas segundo o IBGE, é a que mais deve ser beneficiada.

Para a prefeita da cidade, Maninha Fontenele, a obra ser colocada como prioridade do governo do estado tem afetado a autoestima da população, mas principalmente, tem gerado boas expectativas. “As obras estão para iniciar e irá movimentar a economia local, gerando novos empregos e fonte de renda para a população de Luís Correia, inclusive com a demonstração de interesse da empresa que é considerada a maior beneficiadora de pescados do país para se instalar em nossa cidade. Com isso, iremos alavancar os três setores da economia em Luís Correia, indústria, serviço e comércio”, comemora. 

Agora vai?

Apesar de toda a animação do governo com uma programação de inaugurações e estimativas positivas, algumas pessoas ainda estão receosas. O ex-pescador e hoje comerciante Luizão, é um dos que se diz traído pelas promessas anteriores de construção do porto. “Eu ainda não acredito que vá sair. Seria muito bom se saísse porque traria grandes benefícios pra cidade e pra nós que trabalhamos com peixe. Mas ainda estou pra acreditar e só posso falar alguma coisa melhor quando eu ver esse porto concretizado depois do final desse ano”, desabafa com o olhar cansado.

Depois de tantas promessas, para o comerciante, fica difícil acreditar que a obra será finalizada. Foto: Diego Iglesias/O Estado do Piauí 

No entanto, ele alega que muito desse desgosto vem da queda nas vendas decorrente da diminuição do número de turistas na região, mas que ainda tem esperança de tudo melhorar se estiver enganado com suas expectativas. “Esperamos que, se esse porto for para frente, teremos um peixe de melhor qualidade e prosperarmos com isso”, finaliza.

Medo

Se por um lado algumas pessoas encontram otimismo mesmo com o medo de a obra não sair, outras se deparam com o medo da movimentação de barcos afugentar os peixes, além de um pouco de desconhecimento. Praticante de pesca esportiva, o colombiano Roger Maurício mora em São Luís/MA e frequenta há pelo menos três anos o quebra-mar de Luís Correia/PI acompanhado de amigos para a atividade. Segundo ele, na sua cidade há poucos peixes. “Talvez seja pelo porto (de Itaqui) também, mas ainda por causa da pesca para consumo. Se pegar e não soltar, vai acabar também”, destaca com o português arrastado.

Esse medo do colombiano reforça uma preocupação de muita gente com relação à instalação do Porto de Luís Correia e o impacto ambiental no estado com o menor litoral do Brasil, com apenas 66 km de extensão. E esse é um dos temas mais delicados ao se tratar da obra. Isso porque a possibilidade de perda de fauna e flora marítima entra em conflito com o visível horizonte econômico que se abrirá, com possibilidade de melhoria de vida de milhares de famílias beneficiadas direta e indiretamente com a obra e o mercado de trabalho que oferecerá.

O colombiano Roger pratica pesca esportiva e vem de São Luis para Luis Correia. Foto: Diego Iglesias/O Estado do Piauí

Ciência: o ponto central da gangorra

E por conta disso, poucos estudos bateram de frente com o painel positivista apresentado pelo diagnóstico de impacto ambiental da empresa responsável pela obra e da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh). Um pesquisador da UFDPar que prefere não ter seu nome atrelado a esse conflito afirmou que esse impacto é evidente devido à fragilidade do ecossistema, mas que só se pode avaliar com mais precisão quando houver a quantidade de circulação tanto de barcos pesqueiros como de transporte. 

Já o professor de engenharia de pesca Cézar Fernandes, também da UFDPar, é um grande apostador da ciência para qualquer tipo de problema e diz que tudo isso é uma questão de equilíbrio. Para ele, é possível manter o ecossistema saudável no litoral com respeito mútuo entre os envolvidos e os interesses de cada um. Para o pesquisador, a atividade de pesca industrial, o porto e o meio ambiente podem conviver harmoniosamente tomando medidas cautelares e com mapeamento ambiental constante, mas que a sondagem por parte dos que possuem interesse comercial na instalação não é suficiente. “É preciso um acompanhamento permanente (da Universidade) para entendermos e respeitarmos os limites. Isso acontece em vários lugares do mundo e temos resultados satisfatórios quando temos um acompanhamento adequado”, destaca, acrescentando que essa ação conjunta influencia ainda em diversos fatores que vão desde o barateamento de processos à qualidade do produto.

“É preciso um acompanhamento permanente (da Universidade) para entendermos e respeitarmos os limites. Isso acontece em vários lugares do mundo e temos resultados satisfatórios quando temos um acompanhamento adequado”

Com todo esse conflito, os moradores de Luis Correia é quem são os mais ansiosos e com opiniões divididas. Nas ruas, em conversa com os moradores, alguns se manifestam incrédulos, enquanto outros já se preparam para uma possível melhoria de vida, assim como o seu Luizão, que mistura um pouco de tudo nas suas palavras: “A gente nunca sabe o que vai ter, mas tem que ter fé”, finaliza.

sexta-feira, 10 de maio de 2024

Diego Iglesias

Jornalista, mestre em comunicação pela Universidade Federal do Piauí.

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