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Saúde de portas fechadas?

Único hospital de tratamento contra o câncer no Piauí ameaça encerrar as atividades por falta de verba para novo piso de enfermeiros

24 de agosto de 2022

Hilda Franco começou a sentir dores na pelvis no final do ano passado. Aos 42 anos, acreditou que as dores eram ligadas à menopausa. Demorou quase três meses para procurar atendimento médico, somente quando os sangramentos vaginais começaram. O primeiro exame identificou uma anomalia crescendo no útero da mulher. “Me desesperei, fiquei duas noites sem dormir”, conta à reportagem. Com isso, iniciou a saga de atendimentos e consultas. Finalmente veio o diagnóstico: câncer no colo do útero, em estágio I. 

Agora, Hilda aguarda a realização da primeira cirurgia e a espera dos ciclos necessários de quimioterapia. Com o câncer em fase inicial, ela é otimista: as chances de cura são 95% quando descoberto previamente. Mas uma notícia tem preocupado Hilda: todo o seu acompanhamento deve ser feito pelo Hospital São Marcos, referência no tratamento ao câncer no Piauí. Porém, a Associação Piauiense de Combate ao Câncer Alcenor Almeida (APCCAA) anunciou na última quinta-feira (18) a possibilidade do hospital encerrar totalmente suas atividades. O motivo seria a impossibilidade de pagar o novo piso salarial de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiros. 

A unidade funciona há quase 70 anos sendo o único Centro de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon) do estado. Segundo a direção do hospital, somente em 2021, foram mais de 167 mil atendimentos ambulatoriais pelo Sistema Público de Saúde (SUS). Com o possível fechamento, neste ano, cerca de 95% dos piauienses que sofrem de câncer podem ter seus tratamentos comprometidos.

O Sindicato dos Enfermeiros, Auxiliares e Técnicos em Enfermagem do Estado do Piauí afirmou que a declaração por parte do hospital é “terrorismo às avessas”. Isso porque, desde 2017, o hospital tem lucrado com o trabalho dos enfermeiros, sem atribuir o rendimento correto. A partir desse ano, houve uma reforma trabalhista, que aumentou a carga de trabalho – mas sem aumento salarial. 

Hospital funciona há quase 70 anos sendo o único Centro de Alta Complexidade em Oncologia (Foto: Vitória Pilar)

Os profissionais chegaram a trabalhar 44 horas semanais quando, anteriormente, o teto de horas chegava a 36 horas. Nessa época, o presidente do Senatepi, Erick Ricelly, conta que cerca de 50% dos profissionais se dividia em outros empregos, mas tiveram que abdicar das suas outras ocupações – e consequentemente, a renda dos trabalhadores diminuiu.

Segundo Erick, o hospital São Marcos sempre lucrou com o trabalho dos profissionais de enfermagem – maior parte do corpo de colaboradores do local. Conforme o Senatepi,  a unidade hospitalar havia sido contra a redução da jornada de trabalho dos profissionais de saúde. “O impacto financeiro sempre vem em primeiro lugar”, conta à reportagem. Ele também alega que o São Marcos recebe verba do Estado do Piauí, da Prefeitura de Teresina e do Ministério da Saúde. 

Não é a primeira vez que os enfermeiros recebem a notícia de um possível fechamento do hospital. Segundo o presidente do Senatepi, em menos de um ano, já é a terceira “ameaça” do hospital contra a categoria. “Nem os pacientes ou os enfermeiros acreditam nesse fechamento”, informa. “Eles fazem um espetáculo quando algo acontece contra a vontade deles. Se importam somente com o lucro”, finaliza.

Aprovada no início deste mês, no dia 4, a  Lei nº 14.434 foi sancionada pelo governo federal. O novo piso da enfermagem fica da seguinte forma: enfermeiros recebem em torno de R$ 4.750; técnicos de enfermagem cerca de R$ 3.325, auxiliares de enfermagem e parteiras, aproximadamente R$ 2.375. Em contato com o oestadodopiaui.com, a Prefeitura de Teresina informou que o assunto será judicializado pelo Ministério de Saúde. 

A história se assemelha com a do hospital A.C Camargo, referência no tratamento oncológico em São Paulo que, a partir de dezembro deste ano, afirmou que vai deixar de atender os pacientes. Uma das razões do fechamento é a mesma: o sistema do SUS estava defasado. A unidade afirmou ao G1 SP que a grande maioria dos pacientes já finalizou o tratamento oncológico e está em fase de acompanhamento clínico.     

O episódio em São Paulo foi lembrado por Hilda à reportagem. Ela começa o tratamento ainda em agosto, apesar dos anúncios de fechamento. Sem esperança de custear o tratamento fora do estado, ou em uma clínica privada, lhe resta torcer para que o São Marcos não feche as portas. “É um descaso com as pessoas doentes”, conta a mulher. “Fechar um hospital é fechar a esperança de pessoas pela vida”, finaliza.

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