sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Sem esperança no terminal

Há dois anos, motoristas e cobradores não recebem direitos trabalhistas. Categoria retoma greve por tempo indeterminado na capital

21 de março de 2022

Edição Luana Sena

A labuta do motorista de ônibus Cláudio Gomes começa antes de pegar na direção dos automóveis. Às cinco da manhã, o céu ainda pouco claro, ele enfrenta uma viagem de quase 40 minutos, de motocicleta, para chegar a tempo no galpão onde ficam guardados os ônibus do Consórcio Poty, na zona Norte de Teresina. Motorista há 18 anos, é a primeira vez que ele percebe a situação do transporte público jogada ao completo descaso. “A pandemia pode ter afetado o mundo, mas parece que em Teresina, ela veio muito pior”, relata. 

A rotina de Cláudio é parecida com a dos demais trabalhadores do sistema de ônibus. A maioria sai de casa cedo para ocupar seus postos e conduzir o ônibus da cidade. Motorista ou cobrador, Cláudio aponta que o perfil dos trabalhadores é parecido: muitos estão há uma década ou mais na profissão. É raro os que ingressaram na frota nos últimos cinco anos.  

A longevidade na profissão, por outro lado, traz problemas do bolso à saúde. Com o passar do tempo, os homens desenvolvem doenças de circulação sanguínea, hérnia de disco, surdez e gastrite. Francisco Sousa, motorista há quase uma década, conta que ouviu de um médico certa vez a recomendação de mastigar o alimento 30 vezes antes de engolir. A rotina no terminal não permite. “Trabalhador só engole. Come o que dá, o que vende na rua, e vai embora”, declarou. 

Trabalhadores do transporte público reclamam precarização do trabalho (Foto: Vitória Pilar / O Estado do Piauí)

No coração do centro da cidade, um prédio escuro e com portões de ferro recuados se confunde com o movimento tímido quase no final da rua Paissandu, esquina com a rua Firmino Pires. Dentro do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Rodoviários (Sintetro), nas muitas salas do pequeno edifício de dois andares, uma sala de consultório odontológico, sem dentista, é a primeira a ser apresentada pelo presidente Antônio Cardoso à reportagem do oestadodopiauí.com. “Era pra estar funcionando, mas o Sindicato não tem como pagar”, declara. 

A estrutura do prédio dá o tom de precariedade da situação dos motoristas e cobradores de Teresina. Com muitas salas trancadas e um andar inteiro desativado, Antônio prefere conversar rapidamente com a reportagem nas cadeiras de plástico dispostas no pátio da sede. Desde que assumiu a nova diretoria do Sintetro, tem preferido cada vez menos estar na sala da presidência. “Há muitos problemas em toda a cidade. Aqui, por exemplo, temos vivido dias cada vez mais difíceis”, desabafa. 

O entra e sai dos trabalhadores é marcado por conversas rápidas e parecidas. Entre um comentário e outro, as palavras “crise” e “injustiça” são as que se destacam. A visita aconteceu no início da tarde da última quarta-feira (16) e, por lá, já se ouviam os anúncios de uma possível greve a se aproximar. “Vai ter outra?”, pergunta um dos trabalhadores. “Se for preciso, vai acontecer”, responde o presidente.

E aconteceu: nesta segunda-feira (21),  motoristas e cobradores declararam mais uma greve – por tempo indeterminado. A paralisação prevê que pelo menos 180 ônibus parem nos próximos dias. Com 100% da frota parada no primeiro dia de greve, passageiros enfrentaram paradas desertas e disparos dos preços nas corridas por aplicativos. 

Em Teresina, esse cenário já se tornou comum, mas para os trabalhadores, é sempre um novo desgaste. Uma paralisação, em uma capital com mais de 800 mil habitantes, tem como bastidores semanas a fio de crise. Por aqui, esse impasse tem se desenhado – e sido fortalecido – desde 2020, com a  pandemia da Covid-19, quando os ônibus em Teresina tiveram frota reduzida. Por algumas semanas, os ônibus sequer circulavam na capital. 

Nova greve: Teresina amanhaceu, mais uma vez, com ônibus parados (Foto: Vitória Pilar / O Estado do Piauí)

Desde então, os teresinenses que precisavam trabalhar em rotina presencial, chegavam a passar mais de duas horas nos pontos de ônibus na espera por um transporte. Quando os decretos municipais começaram a flexibilizar atividades, e, pouco a pouco, a movimentação na cidade retomava, a situação se agravou. Enquanto a demanda de passageiros aumentava, o sistema de ônibus teve mais dificuldades de oferecer serviço. Se antes rodavam 440 ônibus para atender todas as zonas da cidade, desde a pandemia não circulam nem 200 ônibus com frequência. 

Motoristas e cobradores, no entanto, passaram a viver situações cada vez mais precárias. Trabalhando em meio ao vírus, benefícios como plano de saúde e tíquetes de alimentação foram completamente cortados. Somado à crise de saúde pública e instabilidade financeira provocada pela pandemia, muitos precisaram viver com ajuda de doações. A situação não parecia melhorar e, após a redução da frota na cidade, as empresas acharam por bem diminuir o quadro de funcionários. Uma onda de demissões afetou os motoristas e trabalhadores que, já sem benefícios e direitos, ficaram à mercê do desemprego em um dos piores momentos da pandemia da Covid-19.

Dos quase 1.600 trabalhadores, o quadro de funcionários despencou para menos de 800. Chegava outro baque para a categoria ainda em março de 2020: ao invés de pagar o piso salarial para motoristas e cobradores, eles seriam remunerados por diárias. A situação deveria ser temporária, pelo menos, enquanto os momentos mais rígidos da pandemia não davam norte aos problemas da vida urbana. Dois anos depois do acordo entre motoristas e empresas, a situação ainda não foi revertida. 

A nova lógica de pagamentos afetava diretamente o salário dos trabalhadores. Isso porque, motoristas de ônibus sempre tiveram as horas de trabalho definidas por escalas. A depender dessa definição, alguns eram designados a trabalhar menos de 15 dias ao mês. Com a diária valendo R $60,00, há meses em que alguns trabalhadores chegam a ganhar menos da metade do piso salarial da categoria – sem nenhum direito garantido pela Consolidação das Leis do Trabalho. 

Jefferson de Lima, ex-cobrador de ônibus, conta que houve um mês em que recebeu R$120,00 pela empresa. Para conseguir pagar aluguel e as contas de casa, começou a fazer entregas por plataformas de aplicativo como 99, Ifood e Uber. Ele ingressou na frota em 2013 e, desde lá, acompanhou pouco a pouco o descaso com os trabalhadores, tomando forma com atrasos e falta de pagamentos. Em 2020, ele fez parte do montante de trabalhadores demitidos, sem justificativa, pelas empresas. Com férias e benefícios não recebidos, Jefferson não espera mais pelo dinheiro que a empresa lhe deve pelos dias trabalhados. “Vivemos em uma cidade sem lei e que não respeita o trabalhador”, declara. 

Após quase um ano vivendo exclusivamente de corridas e entregas com a sua motocicleta, Jefferson não pretende mais trabalhar no sistema de ônibus da capital. Ao longo desse período, ele acompanhou a precarização enfrentada pelos ex-colegas de trabalho. “De fome à despejo”, revela. “Essa foi a situação que os trabalhadores do sistema de ônibus viveram”.

 

Razões do impasse

Sem soluções ou negociações, o Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Teresina (Setut) declara que a Prefeitura de Teresina tem dificuldades de operacionalizar os ônibus coletivos da capital. Para a entidade, a PMT possui uma dívida de R$73 milhões com os empresários. O valor é referente aos subsídios das gratuidades e meia-passagens. Por essa razão, as empresas dizem não ter condições de arcar com as reivindicações exigidas pelos trabalhadores.

Um acordo entre empresários e os motoristas e cobradores definiria uma possível conciliação entre as categorias, em janeiro de 2021. Mas, até o momento, não há consenso entre as partes. A gestão municipal alegou que as empresas de ônibus não cumprem o acordo firmado no ano passado: uma ordem de serviço que determinaria a ampliação da frota disponível, tendo em vista o retorno presencial das aulas no estado e município.

Categoria retoma greve por tempo indeterminado na capital (Foto: Vitória Pilar / O Estado do Piauí)

As empresas de ônibus de Teresina já foram notificadas sobre a nova greve. Em nota, o Setut reforça a falta de diálogo e compromisso da PMT com outro acordo, firmado ainda em outubro de 2021. Para a entidade, falta objetividade dos gestores públicos em apresentar soluções para o transporte. “A gestão municipal não tem cumprido, desde janeiro de 2021, com as diversas obrigações contratuais, principalmente no tocante ao repasse das verbas necessárias à sobrevivência do setor, isso tem inviabilizado por completo qualquer possibilidade de haver acordo trabalhista para com seus colaboradores”, diz Naiara Moraes, consultora jurídica do Setut.

A Prefeitura de Teresina, através da Strans (A Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito), não se manifestou sobre o caso até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para qualquer esclarecimento. 

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Categorias: Reportagem

2 comentários

josé · 21 de março de 2022 às 18:08

Essa crise é vivenciada a mais de dois anos pelos usuários do transporte público de Teresina. A atual gestão do Município não se preocupa em tomar soluções para resolver o problema e só quem sofre são os trabalhadores sem receber seus salários e os usuários.
É MUITO TRISTE A ATUAL SITUAÇÃO QUE CHEGOU A CIDADE DE TERESINA. NÃO É SO O TRANSPORTE PÚBLICO QUE NÃO FUNCIONA, MAS TAMBÉM A EDUCAÇÃO, A SEGURANÇA, A SAÚDE E A INFRAESTRUTURA DA CIDADE.

Afonso · 26 de março de 2022 às 23:24

Queria saber cadê os vereadores de Teresina sim eles podem a ajudar a população de Teresina

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