sábado, 23 de novembro de 2024

Um dia entre as princesas de Bolsonaro

Salto alto, tias do zap, oração e gente do lado de fora no encontro “Mulheres com Bolsonaro”, em Teresina

15 de outubro de 2022

Edição Luana Sena

Não sou muito fã da cor amarela, nem verde. Optei, desde a adolescência, por me vestir com cores mais escuras. Sem motivo específico, apenas um gosto particular, como qualquer outro. Mas, na manhã desta sexta-feira (14), tive receio em usar vermelho. Não que eu seja afeita ao “encarnado” no meu guarda-roupas. Por precaução, optei por jogar uma peça verde na cobertura do evento “Mulheres com Bolsonaro”. As cores da campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) – apropriadas dos tons da bandeira, vale dizer – era o dress code indicado pela organizadora do evento, Iracema Portella (PP).

Descobri que essa não foi a primeira decisão importante que tomei naquela manhã. Aprendi com o tempo que os profissionais da imprensa, comumente, são os primeiros a chegar e os últimos a irem embora. Apressei o passo para a casa de festas Elite Eventos, local marcado pela organização, com o objetivo de chegar antes da hora marcada. O trânsito atrapalhado por conta da Micarina me atrasou, embora tenha conseguido chegar antes do evento começar. Mesmo assim, descobri que cheguei tarde. A longa fila já se arrastava por toda a Rua Júlio Mendes, no bairro de Fátima, zona leste de Teresina. Eu até poderia falar com a organização, apresentar meu crachá e barganhar uma entrada no cercadinho da impresa. No entanto, aproveitei a sorte de estar de verde e, por uma manhã, me misturar à multidão. Fui para o fim da fila.  

Salto alto, tias do zap, oração e gente do lado de fora no encontro “Mulheres com Bolsonaro”, em Teresina. Foto: Vitória Pilar

De cara percebi que, embora a caráter para a ocasião, eu não era uma princesa. Não a que Bolsonaro descreveu em seu discurso no 7 de Setembro deste ano, quando exaltou Michelle, sua companheira, como a “guardiã dos valores cristãos e familiares”. Ali, diante dos meus olhos, haviam várias –  todas ansiosíssimas para conhecer a princesa-mor, a estrela do evento. Em cima dos seus saltos, nenhuma das mulheres parecia confortável para esperar a fila andar, vagarosamente. O calor não era favorável aos cabelos, que assim que suavam, pregavam-se ao pescoço e à testa. Muitas se revezavam entre abanar-se e fazer selfies com seus celulares. Vibravam e dançavam, de forma contida, claro, ao som dos hits do presidente, ecoados por um paredão de som improvisado na esquina. Os movimentos se limitavam aos ombros e braços, em passos quase robóticos. “Não precisamos mexer a bunda. Quem faz isso é a Anitta. Deus me livre!”, me explicou uma apoiadora. 

Uma adolescente, vestida de verde e amarelo dos pés à cabeça, tratou logo de concordar com a desconhecida. “É verdade, a gente não precisa disso”. A discussão foi cortada pela mãe da jovem, ao lado, que começou a cair no choro. Ela não acreditava que estava ali, a poucos minutos de conhecer Michelle Bolsonaro. Tinha vindo da cidade de Floriano, a 248 km de Teresina, com as duas filhas, para o evento. O trio, esteticamente, destoava da maioria do perfil das mulheres presentes: loiras, loiríssimas, de óculos escuros e segurando bolsas de marca. A família vestia calça de ginástica, tênis e enrolava-se em bandeiras do Brasil. “Estamos desde às seis da manhã, precisávamos estar confortáveis”, explicaram.

Logo mais na fila, mãe e filha de Timon, no Maranhão, disparavam a cada instante fotos, vídeos e áudios em dezenas de grupos no WhatsApp. Eram evangélicas fervorosas, daquelas que, a cada frase, soltam um “glória a Deus” para dar ênfase a suas colocações. Cabelo amarrado em coque, saia abaixo do joelho e bíblia na mão: um perfil inconfundível, que poderia vir num dicionário de verbetes ilustrando o termo “tia do zap”. E Bolsonaro sabe bem como conversar com elas. Fiéis às correntes, é dentro dos infinitos grupões que circula um vídeo no qual o candidato implora às mulheres: “Vocês que passam o dia trocando informações com as colegas, peço que continuem fazendo isso mais do que nunca”. Pedi para ser incluída no grupo, claro. Queria emergir, real e virtualmente, em um reduto com o qual nunca tive contato. No mesmo grupo onde circulou a convocação do presidente, elas comentavam, em tempo real, tudo o que acontecia na fila e dentro da casa de shows. 

“Meninas, saiu uma pesquisa ontem. Empate técnico entre os dois [Lula e Bolsonaro]”, declarava alguém na tela. “Vai ser pau a pau. Temos que fazer muita campanha. Um voto já faz diferença”, complementava outra. “Por isso que não podemos parar, de forma nenhuma. É joelho no chão”, agitava uma terceira no grupo. “Oração e jejum, irmã, não esqueça”, apelava. Era um pouco incômodo tentar mergulhar nas motivações daquelas mulheres. Não havia maldade escancarada ou preconceito explícito em suas falas contra divergentes, mas um forte discurso religioso arraigado nas questões familiares imperava, pautando desde cuidados escolares com os filhos, preferências conservadoras nos trajes e costumes, além de reverência ao divino. Ali, naquela fila, era como se elas estivessem tendo seus anseios mais íntimos e domésticos ouvidos como nunca foram antes. 

Na fila das “princesas” de Bolsonaro, elas revelavam personalidades fortes e até mesmo corajosas. Quando a segurança proibiu o avanço devido à lotação do espaço onde a ex-ministra – e agora senadora eleita – Damares e Michele discursavam, as mulheres ameaçaram invadir – mesmo que isso significasse quebrar portas de vidro. As que vieram de Floriano arquitetavam um plano genial: iriam se fantasiar de repórteres e pedir acesso. “Me dá aí meu celular, mermã, eu vou falar que sou da imprensa. Sou amiga do cara que tem um portal de notícias na minha cidade”. Baixinho, ri comigo diante da ironia: ela pleiteava uma credencial que eu desprezava, na tentativa de me camuflar na multidão. 

Desistiram da carteirada. Foi o jeito embarcar no “empurra-empurra” iniciado pelas mulheres ali presentes. Não houve solução para a segurança senão liberar o acesso para todo o espaço do evento. Para comemorar a vitória, assim que conseguiram entrar, as mulheres começaram a agradecer em oração, de mãos dadas – algumas até ajoelhadas. Nem sequer chegaram a ver a princesa Michelle, mas estavam realizadas. Muitas choravam, gritavam e agradeciam pelo momento. 

Após “empurra-empurra”, bolsonaristas ficaram do lado de fora para acompanhar falas da primeira-dama Michelle Bolsonaro em Teresina. Foto: Vitória Pilar

A situação começou a me constranger, à medida que o calor aumentava. Fui pegar água mineral distribuída pela organização. Uma mulher me interpelou sobre onde conseguir e ofereci prontamente a minha – porque um copo d’água não se nega nem a Bolsonaro. Ela agradeceu fazendo a famosa saudação militar. Fiquei sem reação. “Será que eu faço igual? É algum código entre elas? Serei descoberta?”, gelei. Mas nada aconteceu e ela sumiu entre as demais. Nos encontramos minutos depois e ela me ofereceu um copo de água, reconhecendo a gentileza anterior. Encarei o mesmo num misto de confusão e espanto. Haveria bondade na estranheza? Acabaria a empatia quando nossas diferenças viessem à tona? Nunca terei essa resposta.

O evento estava quase chegando ao fim e algumas mulheres corriam para o lado de fora, na tentativa de tirar fotos com o ônibus estampando o rosto de Bolsonaro. Uma senhora baixinha, engraçada e elegante, repleta de anéis e jóias, tinha pressa para tirar fotos em frente ao veículo – me pediu para clicá-la em muitas poses. Ela também queria um transporte de aplicativo para ir ao trabalho, urgentemente. Ofereci uma carona e ela não recusou. Agradeceu aos céus pela coincidência do nosso encontro.

Dentro do carro, ligeiramente, Lili começou a guardar os acessórios e tirar a maquiagem com um lenço de papel. A elegante senhora, aos poucos, se desmontava. Trocava o salto por uma sapatilha carregada esse tempo todo na bolsa. “Meu filho, você consegue ir mais rápido?”, cutucava o ombro do meu companheiro ao volante. “Eu faltei ao trabalho só para vir aqui, minha chefe tá quase chegando, quero chegar antes dela”, revelava então seu segredo. “Ela é petralha, se descobrir que sai pra ver a Mimi, vai ter b.o”. O carro mal estacionou por completo e Lili saltou em um pulo, pronta para tirar mais uma peça que a denunciava –  no banheiro mais próximo, o vestido de renda verde com babados seria a última parte do figurino bolsonarista a sair de cena.

No final do evento, apoaiadores posavam para fotos enquanto Lili se despia dos trajes bolsonaristas para ir ao trabalho. Foto: Vitória Pilar

sábado, 23 de novembro de 2024
Categorias: Reportagem

1 comentário

wilson Rodrigues da Luz · 15 de outubro de 2022 às 18:04

Os Povo Nordestino é om povo humilde por natureza. O presidente BOLSONARO, passou pelo Estado do Piauí no ano de 2018, quando estava em campanha política, para pegar o voto desse povo educado e humilde. Acontece, que se passaram 03 anos e 06 seis meses, nunca mais o presidente BOLSONARO, apareceu no Estado do PIAUÍ. Agora novamente aparece, para pegar o voto desse povo humilde. É necessário dizer, que o presidente BOLSONARO representa e classe Rica, os Plutocratas, a Oligarquia, os Magnatas e as ELITES brasileiras. Agora fica a critério do povo, em conceder o seu voto a ELE, ou não?

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