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Uma marcha pela cura

Em Teresina, Marcha da Maconha retorna após dois anos; no Piauí, PL para liberar medicamento com base na erva foi arquivado

30 de agosto de 2022

Edição Luana Sena

Nos últimos 15 anos, dores constantes fizeram parte da rotina de Jeanete Fortes, diagnosticada com fibromialgia – uma doença reumatológica que afeta a musculatura e acomete 2% da população. “Eu tinha uma vida sem paz, vivia mal humorada, nem descansar eu conseguia direito”, relata à reportagem. “Eu sentia dor até para dormir”.

Certa vez, foi levar remédio para o pai, que sofria de Alzheimer e fazia uso do óleo de canabidiol – também conhecido como CBD, extraído da Cannabis – para frear o avanço da doença no sistema neurológico. Leu brevemente que o quadro da sua doença poderia ser aliviado pelo mesmo óleo, uma vez que a doença se enquadra no espectro de doenças neurológicas. Experimentou, logo no início da tarde. Ao cair da noite, tomou um susto quando se deu conta: a dor havia sumido. “Eu não conseguia dormir porque as dores não permitiam”, descreve Jeanete. “Nesse dia, eu dormi”.

A defensora pública foi uma das presentes na Marcha da Maconha, neste último sábado (29), em Teresina. Desde 2020, o evento não acontecia devido a pandemia da Covid-19. Na ocasião, quase 100 pessoas migraram para a Avenida Frei Serafim, chamando atenção da população e do poder público para a legalização da maconha – seja para fins medicinais ou recreativos. 

Marha da Maconha retoma após dois anos sem atividades – Foto: Reprodução/Instagram

No final do ano passado, a Assembleia Legislativa do Piauí (Alepi) arquivou o Projeto de Lei que tinha a intenção de liberar o uso de medicamentos à base do óleo CBD no estado. Com a decisão, o projeto não poderá mais ser discutido na Casa. No Brasil, pouco menos de 200 pessoas possuem o direito na justiça para permissão do cultivo da maconha para fins medicinais. As permissões funcionam como habeas corpus preventivos, uma vez que é proibido no país o plantio da Cannabis, com pena de 5 a 15 anos de reclusão.

Entre as justificativas para o arquivamento do PL, o deputado estadual Júlio Arcoverde (Progressista) afirmou que é necessário que o projeto tramite no Congresso Nacional para que seja avaliado a nível estadual. Em junho de 2021, a Câmara dos Deputados Federais analisou o Projeto de Lei 399/15, que aprovou a legalização do cultivo no Brasil para fins medicinais, veterinários, científicos e industriais da Cannabis. Mas o assunto não caminhou para o Senado, tampouco para as canetadas do presidente Jair Messias Bolsonaro (Partido Liberal). A discussão segue parada a nível nacional e, portanto, no Piauí. 

Wesley de Carvalho, representante da Rede Reforma – coletivo de juristas que atuam para discutir a política de drogas – aponta que o assunto é tratado com preconceito. “Nossa região ainda é muito provinciana”, destaca o advogado. “Assuntos que envolvem drogas acessam a população sem informações necessárias para entender que plantas como a maconha são assuntos de saúde pública”, pontua. Dias depois do arquivamento do PL, o deputado Carlos Augusto (PL), declarou em entrevista à TV Cidade Verde: “Não podemos ter plantação de maconha indistintamente nesse país porque estamos longe de estar preparados para isso”. A fala limitou-se a uma opinião, não explicando mais sobre o assunto nem tampouco trazendo soluções para quem busca na planta uma alternativa médica. 

Durante o ato, famílias estiveram presente pedindo a legalização da maconha, matéria prima do óleo CBD – Foto: Vitória Pilar

Enquanto isso, quem precisa do CBD, recorre a outros subterfúgios. Emelly Carneiro, de 21 anos, precisou se comunicar com pessoas de outros estados para ter o óleo. Uma ampola, de 5 a 10ml, pode custar entre R$200 a R$400 – quase o valor de uma parcela do Auxílio Brasil, benefício do governo federal. No ano passado, após uma dormência na boca, ela foi diagnosticada com  síndrome de Bell – um inchaço no nervo facial que paralisa metade dos movimentos do rosto. 

A medicação receitada foi corticoide e fisioterapia. Os remédios eram invasivos e a recuperação lenta. Entretanto, por saber do uso medicinal do canabidiol, apostou no óleo como antiinflamatório. Na primeira semana, Emelly já conseguia ver os resultados positivos. Quase um ano após  o início do tratamento com o CBD, suspendeu o uso: “Não consegui mais pagar”, revela à reportagem. “É triste, porque foi somente com o óleo que consegui me alimentar, relaxar e estar praticamente curada”, complementa. 

A legalização é, para muitos pacientes que utilizam a cannabis, a única esperança de ter menos custos para adquirir o óleo. Na família de João Barbosa, de oito anos, a tia Jamilly Rocha, que também é enfermeira, precisou se especializar para poder buscar o tratamento do menino diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Atualmente, a família compra o óleo importado e tem lutado para garantir a legalização da maconha – a matéria prima do óleo. Caso legalizada, Daniel Rocha e Erica Lages, os pais de João, poderiam plantar a erva em casa e extrair a substância para o tratamento do filho. “Enquanto não tiver ninguém da sua família necessitando, você fica com a cabeça fechada”, destaca Daniel. “Quando precisa, você se encontra aqui, na luta, na rua, por uma planta que salva vidas”. 

João Barbosa, de oito anos, e a família durante a Marcha da Maconha, em Teresina – Foto: Vitória Pilar.

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