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Cidade sem mobilidade

Em meio à crise, fórum com lideranças comunitárias em Teresina pensa agenda em defesa do transporte público como direito

01 de fevereiro de 2023

O Fórum do Transporte público estava marcado para começar às nove da manhã daquele sábado, 28 de janeiro. Às 10h, entretanto, o auditório do The Hub – espaço que acolheu o movimento – ainda estava vazio. Líderes comunitários e estudantes usuários do transporte público esperavam por ônibus nos pontos, em diversos bairros, desde as oito da manhã.

O atraso é sintoma e razão pela qual o Fórum acontecia. Com o objetivo de elaborar uma agenda para o transporte público municipal, o encontro, apoiado pelo site oestadodopiaui.com, ouviu representantes de bairros e comunidades periféricas – para quem o transporte público, mais que um direito, é também uma necessidade.

Fórum discutiu mobilidade urbana e histórico de crise no transporte público.

Mesmo com a falta de condução, estiveram presentes líderes comunitários dos bairros Itararé, São Sebastião, Memorare, Piçarreira, Cristo Rei, Portal da Alegria, Pedra Mole e também moradores da zona rural. 

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“Pensar o transporte coletivo requer pensar a cidade enquanto direito, não a cidade como mercadoria”, disse Mário Ângelo Sousa, em um dos principais pontos de sua fala sobre mobilidade urbana. “O usuário desse transporte é um cidadão que tem direito pleno, não só ao transporte, mas à saúde, à educação”, completou. “Isso vai na contramão da gestão pública, voltada para uma lógica de mercado, vendo o cidadão como consumidor”. Para o geógrafo e professor da UFPI, esta visão desvirtuada tem provocado uma série de estrangulamentos nas políticas públicas da capital.

Além de trazer uma visão histórica do problema em Teresina, em seu painel, Mário chamou atenção para o fato da legislação não estar sendo aplicada no município. “Desde 2012 temos uma legislação nacional que coloca como obrigatoriedade para  os municípios elaborarem um plano de mobilidade urbana, que deveriam ter execução até 2015”, pontuou. “Em Teresina, até o momento, não temos”.

Sem passagem para o futuro

Todos os dias, Conceição Mendes caminha uma distância considerável entre sua casa, na zona Sudeste, para a sede da Associação de Moradores do bairro Itararé, da qual é presidente há três gestões. O percurso poderia ser feito de ônibus, mas este demora horas para passar na região.

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“Há muito tempo lutamos por um transporte público de qualidade”, contou à reportagem. “É um total descaso do poder público, que não se sensibiliza com a situação de um bairro, como o nosso, que aglutina tantos outros ao redor com uma população imensa que depende desse transporte”. Ela disse acreditar na reunião das lideranças como uma mobilização para prover mudanças.

Emerson Sammuel, advogado e coordenador da Auditoria Popular de Transporte, destacou que, para além de um serviço essencial, o transporte público é um direito social. “E desde que ele se tornou um direito, pouco se construiu de políticas efetivas e de garantia como algo que deveria ser custeado pelo estado”, apontou.

Evento reuniu lideranças comunitárias e estudantes.

Para ele, a crise no transporte público é histórica, bem como a tentativa de participação da sociedade nessas discussões. “E, ao mesmo tempo, a cidade tem uma resposta institucional muito violenta”, disse. Ele lembrou movimentos contra o aumento da tarifa, em 2011, e as manifestações da população para pedir melhorias. “Mais de 10 anos depois, as respostas foram muito insuficientes”.

O sistema Inthegra, iniciado em julho de 2016 na cidade – que tinha como slogan a frase “O futuro pede passagem” – teve sua implantação criticada por parte da população pela falta de participação da sociedade civil no processo. Desde a pandemia da Covid-19, o sistema foi paralisado, retomando as antigas linhas bairro-centro. Com a redução do fluxo e abandono dos terminais, muitos pontos foram depredados. Funcionários foram demitidos e sucessivas greves de trabalhadores aconteceram. 

Em agosto de 2021 chegavam ao fim os mais de 100 dias da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Transporte Público, na Câmara Municipal de Teresina. O relatório recomendava a rescisão imediata do contrato entre Prefeitura e Setut, e o indiciamento de dois ex-gestores da Strans, Carlos Daniel e Weldon Bandeira. Além disso, os vereadores acusavam gestões anteriores de improbidade administrativa e enriquecimento ilícito de empresários do sistema. 

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“Agora, há mais uma tentativa de renegociação dos contratos entre empresas e poder público, e a sociedade sem ter participação efetiva, não sendo ouvida”, criticou Emerson. Para ele, empresas privadas já provaram que não têm capacidade operacional para bancar o sistema. “Por que, mesmo com vultuosos recursos públicos que têm sido direcionados para o transporte, nós não conseguimos pensar uma agenda para a implantação de uma empresa pública de transporte?”, perguntou à plateia. 

“Sem ônibus, as pessoas deixam de acessar o hospital, deixam de ir à escola, deixam de acessar os espaços de cultura e lazer”, pontuou. “Não existe cidade sem transporte público”. 

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Luana Sena

Jornalista, mestra e doutoranda em comunicação na Universidade Federal da Bahia.

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