sexta-feira, 17 de maio de 2024

De pai para filho

Próximo do período eleitoral, troca de cargos públicos entre familiares dificulta renovação política no Piauí

16 de março de 2022

Quando o Diário Oficial do Município de Teresina foi atualizado em 8 de março de 2022, a ex-deputada Ana Paula Santana (MDB) já não estava mais no cargo de secretária da Superintendência das Ações Administrativas Descentralizadas Norte (SAAD) Norte, responsável pelas obras e manutenção urbana da região. O novo nome era do seu  seu filho: Daniel Araújo de Carvalho. 

Com a mudança repentina e a chegada do período eleitoral, já se especula as mudanças no desenho político piauiense. Até o momento, especula-se que Ana Paula venha a assumir o lugar do marido, Zé Santana, na Secretaria Estadual de Assistência Social e Cidadania. Ou até mesmo, que a ex-secretária seja cotada para concorrer a uma vaga à deputada estadual. 

A troca de postos não passou despercebida nas redes sociais. O prefeito Dr. Pessoa Leal não poupou detalhes e comentou: “Ana Paula que pediu para que o filho dela, Daniel, ficasse no cargo”, revela. “E ele veio para nosso time”, declarou à imprensa naquela semana. 

Nas redes sociais, a ação soou como nepotismo  –  priorização do laço de parentesco sobre a competência técnica – ou seja, ao priorizar familiares e parentes. A prática abre caminho para incompetência administrativa, uma vez que a administração pública deixa de contar com o indivíduo mais competente para a função. Entretanto, segundo a lei, como a nomeação do cargo de primeiro escalão é feita pelo prefeito, não configura como nepotismo. 

Nepotismo ou não, a falta de renovação na política e os saltos de filhos assumindo cargos dos seus pais não é novidade no Brasil – tampouco no Piauí. Um levantamento feito pelo oestadodopiaui.com mostrou que em 2014, dos 30 deputados estaduais, 20 tinham algum grau de parentesco – ou seja, apenas 33% das cadeiras foram renovadas. 

Na Câmara de vereadores de Teresina, a situação se repete. Dos 29 eleitos, dez possuem heranças políticas. A prática tem se tornado tão comum  que, nas eleições de 2022, o MDB discutiu colocar uma chapa já denominada nos bastidores de “Chapa dos filhos” – por ela devem concorrer a deputado federal o filho de Marcelo Castro (Castro Neto); o filho de Themístocles (Marco Aurélio); e o filho do prefeito Dr. Pessoa (Pessoinha). Na Câmara Municipal, duas pessoas herdaram o capital político de seus progenitores: Fernanda Gomes (filha do deputado Evaldo Gomes) e Venâncio Cardoso (filho da deputada Flora Izabel).

Leia Mais: Herança de apoio dificulta a renovação política no Piauí

O filho da ex-deputada, Ana Paula Santana, foi candidato a vereador nas eleições de 2020, mas ficou na segunda suplência do MDB. Se o presidente da Câmara Municipal de Teresina, vereador Jeová Alencar (MDB), for eleito deputado estadual este ano, Daniel passa a condição de primeiro suplente, podendo assumir o mandato na casa. 

As mudanças pouco surpreendentes na política piauiense também vão de encontro a representatividade de mulheres nesse espaço. Das poucas que ainda estão ocupando cargos de gestão nos órgãos públicos, e até mesmo eleitas, é possível perceber uma herança política familiar. “Todas são esposas de prefeitos, deputados, senadores e do governador”, observa a cientista política Bárbara Johas. “Elas não se inserem na política, elas são inseridas”.

Para a cientista, a inserção da mulher na política motivada apenas pelo vínculo matrimonial – negando o protagonismo de políticas democraticamente eleitas – é uma forma de também reproduzir o machismo. “Não podemos afirmar que essas mulheres não têm autonomia nos seus mandatos e estão representando apenas seus companheiros” afirmou. “Pois ninguém questiona se os filhos que também herdam essa cadeira política são apenas figurantes de seus próprios pais”.

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Categorias: Reportagem

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