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E quando o agro vai embora?

Mudanças climáticas, devastação, estruturas precárias e pobreza são algumas das heranças deixadas pelo agronegócio

07 de outubro de 2021

No lugar da antiga vegetação, grandes pastos para receber gado, lavouras de soja, algodão e outros plantios. Esta é a realidade de muitas regiões do país que abrigam o agronegócio. O cerrado piauiense, em especial a região sul do estado, tem sido palco triunfante para este modelo de desenvolvimento. Aos poucos, o cenário de devastação começa a ser visível deixando marcas por lá.

Os impactos ao meio ambiente ocasionados pela expansão do agronegócio e pela ação humana nunca ocuparam tanto espaço nos noticiários. Nos últimos anos, a degradação dos biomas brasileiros tem aumentado de maneira significativa. De acordo com dados da Global Forest Watch, o Brasil perdeu 53.8 milhões de hectares de cobertura arbórea entre 2001 e 2018, significando uma redução de 10% da área florestal desde 2000. Esse é o alto preço que o país está pagando por apostar na grande propriedade rural como alavanca para o desenvolvimento econômico. O mesmo estudo mostra que 66% desta perda ocorreu devido a fatores de urbanização e de agropecuária para fins comerciais.

Para crescer, a agricultura empresarial depende da exploração de grandes extensões de terra. Nesses grandes espaços, a agricultura industrial produz um tipo único de produto em grande quantidade – técnica conhecida como monocultura. Essa modalidade de cultura acaba esgotando os nutrientes do solo, uma vez que não dá tempo para que o mesmo se recupere das constantes agressões.

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Com o principal foco sendo a exportação, o termo agronegócio – utilizado para modernizar a imagem do latifúndio – não esconde que, por onde a atividade avança, cresce a degradação ambiental, a violência no campo e também a concentração fundiária – o que vem ocorrendo de maneira acentuada na região do Matopiba.

As ameaças ao Pantanal, Cerrado e Amazônia estão sendo assistidas em uma série de capítulos. Devastação, biodiversidade ameaçada e solos improdutivos são alguns dos efeitos que se pode esperar nas regiões exploradas. Soma-se a isso a realidade a que são condicionadas as famílias e as regiões que sediam, abrigam e depois vivem as consequências da chegada e das mudanças do agronegócio.

O cultivo agroecológico também fica impossibilitado de avançar. A maior parte dos incentivos governamentais hoje para a agricultura está concentrada no setor agrícola industrial e pouco crédito é disponibilizado a pequenos agricultores.

A agricultura familiar no Brasil é a principal produtora dos alimentos que vão para a mesa dos brasileiros. Diferente da monocultura, esse tipo de manejo do solo produz alimentos variados, com respeito ao solo e ao ecossistema – feito por pessoas que têm a terra como sua principal fonte de sustento.

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O avanço dos interesses do agronegócio vai além e a busca por novas terras que possam ser exploradas segue sem freios, ameaçando a biodiversidade do país. Desmatamentos , desapropriações e assassinatos de povos indígenas, ativistas e pequenos agricultores no campo fazem parte do rastro de destruição.

Matopiba: da promessa a devastação

Por abrigar uma das últimas áreas de cerrado nativas no país, onde o bioma está presente em 90% do território, o Matopiba se tornou a “menina dos olhos” do agronegócio no Brasil. Nos últimos anos, grandes extensões de terras foram desmatadas e, segundo a organização WWF Brasil, pequenos e médios produtores têm promovido desmatamentos ilegais no território e plantio sem manejo adequado.

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Na primeira metade do século XX, essa grande área era coberta por pastagens em terras planas e vegetação de cerrado e caatinga – a agricultura era considerada improdutiva. Apesar da sua deficiência em infraestrutura, a predominância do relevo propício à mecanização, as características do solo e o regime favorável de chuvas foram os principais fatores para o crescimento da produção de grãos na região.

A região do Matopiba – acrônimo formado com as iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia começou a ser explorada para o agronegócio a partir da década de 1980, quando agricultores da região Sul do país chegaram atraídos pelas terras a preços baixos. Logo, as pastagens extensivas em cerrados foram sendo substituídas por uma agricultura mecanizada e áreas de irrigação.

Mudanças climáticas podem deslocar a produção de soja

Os impactos socioambientais deixados pelo avanço do agronegócio se tornaram tema de pesquisas por todo o país. A cientista social Luísa Sobral aponta em seus estudos a possibilidade do deslocamento do agronegócio para outras regiões por conta da escassez de chuvas. “É uma pergunta que tenho me feito muito”, comenta a pesquisadora piauiense prestes a concluir o mestrado em Planejamento Urbano e Regional na UFRJ.

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Os cientistas alertam para um deslocamento da produção de soja a curto ou médio prazo – fato que preocupa uma vez que a cultura da soja é bastante ligada à segurança alimentar mundial.

O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas Globais (IPCC) lançado no último mês de agosto, trouxe projeções que comprovam: algumas partes do território brasileiro, como o Centro-Oeste, o leste da Amazônia e a região Nordeste, vão registrar maior aumento da temperatura e intensidade das ondas de calor por períodos mais prolongados. “Isso desencadearia impactos importantes, inclusive para a economia brasileira, baseada no agronegócio”, disse Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e autor-líder do capítulo 6 do relatório.

“A monocultura e alguns modelos produtivos extensivos vão causar mudanças no solo e vão ser prejudicadas também pelas mudanças climáticas”, prevê Luísa. “Daí você tem a inserção de um mercado poderosíssimo de tecnologia agrícola acoplada à produção e que incentiva o uso de fertilizantes, produtos químicos, agrotóxicos”, pontua.

Se o agro for embora, o que fica?

Estudos mostram que a agricultura intensiva (monocultura), como o cultivo da cana-de-açúcar, soja e outras culturas, provoca mudanças no meio ambiente, alterando as características do meio físico, reduzindo a biodiversidade e incidindo de formas diferentes em cada região.

A pesquisadora Victória Ballester, membra do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, reforçou a preocupação com a questão hídrica ao afirmar que a soja necessita de 32% mais fósforo do que outras culturas e, a exemplo da cana-de-açúcar, retira muita água do solo. “A grande preocupação mundial com a expansão dos cultivos de soja, de cana-de-açúcar e de milho para produzir agroenergia é saber se as áreas de produção de alimentos serão substituídas por áreas para produção de energia, mas pouco se tem olhado para a questão da água”, disse.

Para além da questão ambiental, também impactos na vida social e humana começam a ser reparados. Em boa parte das cidades consideradas grandes produtoras, as consequências começam a ser observadas. “Você tem um crescimento do PIB muito grande em alguns municípios, que são os grandes produtores de soja, e quando você vai olhar mais de perto se vê pouco desenvolvimento humano, escolas, urbanização”, analisa. “A qualidade de vida não acompanha o crescimento do PIB. Como se justifica isso? Como isso terá continuidade se a soja sair dali? E como você dá conta de justificar uma produção que vai prejudicar de forma enorme os recursos hídricos, pois o cerrado é responsável por uma das maiores bacias hidrográficas do país?”. Todas essas são perguntas que o agro ainda não respondeu.

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Categorias: Especial

Geysa Silva

Jornalista, consultora de marketing político e especial Experiência Piauí.

1 comentário

William Frutuoso · 8 de outubro de 2021 às 07:32

Pensando na minha cunhada, que é engenheira ambientalistas, a qual põe tapete pra seus “melhores amigos”, agronegocistas da soja, posto que a universidade não lhe deu a capacidade crítica de alcançar esse texto e compreender o papel maléfico desses “melhores amigos” para a sociedade atual e seus filhos e netos.

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