domingo, 5 de maio de 2024

Paulo Guedes, “a lanterna dos afogados…”

30 de agosto de 2022
por Redação

Por Fernando Galvão*

Existem dois tipos de países no mundo – quero convidar você para mentalizar. Imagine uma mesa grande e dois grupos de países posicionados em cada lado. De um lado, um grupo menor de países que tem tais características em comum: são produtores de tecnologias, inovações e novos conhecimentos.

Do lado oposto da mesma mesa, tem um grupo grande de países que tem como características em comum: consumidores de novos conhecimentos, inovações e tecnologias.

Como resultado disso, temos as relações de poder entre países, nessa nossa mesa imaginária. O lado que agrupa países que tomam decisões e o lado que agrupa os países que acatam as decisões tomadas.

Vou fazer uma comparação. No jogo de xadrez, existem peças brancas e pretas. Quem controla as peças brancas, dá o tom da partida porque é quem começa, e o desenrolar de todo o jogo depende do primeiro movimento.

Comparando o primeiro e o segundo grupos de países, quem dá o tom do jogo? Quem acata a decisões tomadas? E o nosso Brasil, como se encaixa nesse tabuleiro?

As poucas nações que produzem tecnologias, inovações e novos conhecimentos ficam com as peças brancas e começam a partida de xadrez, sentam do lado da mesa em que as decisões são tomadas. As muitas outras nações (Brasil incluído), que são consumidores de tecnologias, inovações e novos conhecimentos, ficam com as peças pretas do xadrez e sentam do lado da mesa que acatam as decisões tomadas.

Bem, essa introdução, busca fazer analogias que explicam como funciona a geopolítica no mundo (relações de poder entre países). Segundo a lógica liberal, o comércio internacional deveria funcionar com base em mercados livres de barreiras comerciais entre os países para que pudessem negociar suas produções e complementarem suas necessidades comprando de outros países.

Sendo assim, para simplificar o entendimento, países avançados na fronteira tecnológica exportariam suas expertises de alto valor agregado para países atrasados tecnologicamente.

Em contrapartida, este segundo grupo, países tecnologicamente atrasados exportariam também sua expertise: commodities (matérias-primas e insumo de baixo valor agregado), vindos do setor agro.

Um detalhe que merece destaque nesse contexto, é que na prática, as diferenças estruturais entre estes tipos de produtos trocados no comércio internacional (produtos de alto valor agregado e produtos agro), aumentam o fosso de desigualdade de condições entre os tomadores de decisões globais e os acatadores de decisões.

Vou dar um exemplo bem didático que usei essa semana ao ministrar uma aula de Economia.

Países produtores de cacau (matéria-prima), como Brasil e alguns países africanos, exportam suas produções (baratas) para a Dinamarca. Esta não tem um pé de cacau plantado em seu solo, mas é referência internacional na venda de chocolates (produto de valor agregado, por isso caros). Já que temos essa profunda desigualdade entre os poucos países avançados e os muito atrasados tecnologicamente, fica muito exposto que o Brasil precisa mudar a rota e fazer a transição de um grupo para outro.

Para isso, a principal forma de passar do lado da mesa em que se acatam decisões tomadas, para o lado da mesa em que se tomam decisões, é deixar de ser atrasado tecnologicamente e avançar nos campos da educação, da ciência, pesquisa, no desenvolvimento de novas tecnologias, inovações e novos conhecimentos em conexão com setores produtivos da atividade econômica.

Acontece que antes disso, é preciso que tenhamos infraestrutura básica, como baldrame para se levantar paredes que sustentem um “teto alto” de capacidade de desenvolvimento de tecnologias, novos conhecimentos e inovações. Aqui a coisa vai complicando porque o fator determinante para fazer essa transição passa por fazer investimentos públicos em infraestrutura.

Essa condição acima é determinante porque investimentos em infraestrutura exigem elevados desembolsos financeiros e os ganhos futuros só se realizam no longo prazo. Essas características tornam o investimento desinteressante para o investimento privado, que prefere investir em bases produtivas já consolidadas na forma de concessões, privatizações e Parcerias Público Privadas.

Perceba que investimentos dessa natureza não ampliam a capacidade produtiva da economia com novas estruturas, investimentos em novas máquinas, equipamentos, contratação de mão-de-obra, encomendas de matérias-primas e insumos, contratação de serviços. Na verdade, o que acontece são ajustes de estruturas, na gestão de pessoas, melhorias no que já existe, restruturação de processos, realinhamento de objetivos, metas e na estratégia.

Investimentos privados com esse perfil representam ganhos para o grupo econômico através da transferência de controle, mas de forma agregada para a economia, não expande a capacidade produtiva e nem eleva a atração econômica local, regional e nacional. Esse tipo de visão é exatamente a adotada pela política econômica capitaneada por Paulo Guedes ministro da Economia do governo Bolsonaro.

O ministro aplica no Brasil uma política econômica importada dos EUA!

E na boa, não é torcida contra, é que não dá de conduzir esse país com uma cartilha de instruções em inglês da Escola de Chicago…

O gráfico com dados levantados pelo economista parnaibano e um dos maiores especialistas em Finanças Públicas do país, Raul Veloso, destaca que a queda de investimentos públicos em infraestrutura, derrubam nosso potencial teto de crescimento da economia.

 

Perceba que a linha vermelha tracejada que caí ao longo do tempo representa os investimentos em infraestrutura e a linha preta que apresenta o comportamento do PIB (produto interno bruto), diretamente proporcional.

No próximo gráfico abaixo, com dados também apresentados por Raul Veloso já citado acima, mostra que no Brasil, o investimento público em infraestrutura sempre teve seu papel relevante na economia em relação ao investimento privado que tem na sua linha tracejada, sua baixa média.

Atualmente as médias dos dois tipos de investimento são incompatíveis com as reais necessidades do país.

 

 

 

 

Esse cenário se agrava a partir de 2014 até agora em 2022, é um período que combina queda dos preços das matérias-primas internacionalmente, mercado em que o Brasil é grande produtor (lembre-se que o Brasil não produz tecnologia, novos conhecimentos e inovações) e também a partir de 2015, ainda no governo Dilma, a política de gastos do governo sofre duras restrições e depois impeachment, governo Temer, teto de gastos.

A média de crescimento do PIB brasileiro entre os anos de 2014 e 2022 está em torno de -0,6% ao ano, de acordo com dados levantados pelo economista Raul Veloso.

Essa tendência não leva em conta o período de pandemia e a guerra entre Rússia e Ucrânia porque são fatores pontuais. As políticas econômicas liberais se fundamentam no ajuste fiscal com cortes de gastos do governo frente a arrecadação, pra gerar “sobras de caixa”, também chamadas de superávit primários.

A ideia por trás dessa hipótese é mostrar para o mercado que o governo é “responsável fiscalmente” e que tem credibilidade capaz de atrair investidores para a realização de investimentos que alimentem as necessidades nacionais. Esse investimento viria na forma de privatizações, concessões e Parcerias Público Privadas, onde a iniciativa privada ocuparia espaços da gestão pública na economia

Uma outra forma de recursos atraídos via investidores seria em ativos financeiros (esses têm um traço mais especulativo por ser de curto prazo).

É essa a mentalidade que rege a forma de pensar e agir da política econômica no Brasil desde 2015 e que tem no atual ministro da economia um fiel seguidor. Essa linha de pensamento até poderia gerar resultados, se aplicada em um país já avançado tecnologicamente, com toda sua infraestrutura montada. A questão é que o Brasil é uma sociedade profundamente marcada pela desigualdade social, econômica e regional! Temos graves deficiências em infraestrutura básica e isso rebaixa a altura do nosso teto de crescimento.

Vou fazer uma analogia com a área da saúde.

Não dá para reanimar um paciente com parada cardíaca com choque de lanterna, tem que usar desfibrilador!

Da mesma forma, não dá para dar tração numa economia com as características da brasileira com investimento privado em infraestrutura, é preciso investimento público em infraestrutura!

Após essas metas, teríamos enquanto nação, o baldrame para fazer a transição de meros consumidores de tecnologias, novos conhecimento e inovação para enfim, nos tornarmos produtores de novos conhecimentos, inovações e tecnologias!

O ministro da economia é um ótimo palestrante, até anima a torcida, mas ele é só uma “lanterna dos afogados”, como disse o Herbert Viana num clássico da música brasileira.

*Economista e professor

domingo, 5 de maio de 2024

1 comentário

João Luiz Júnior · 31 de agosto de 2022 às 11:53

Parabéns! – por observar os fatos basta-nos entender o crescimento do agro nacional voltado às exportações e o custo dos produtos básicos derivados que estão em alta constante…

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