terça-feira, 26 de novembro de 2024

Política com as próprias mãos

Causas sociais e meio ambiente dão o tom para jovens na política; internet, vista como espaço de intolerância, pode se tornar aliada

30 de maio de 2022

Edição Luana Sena

Antes de 2022 começar, o estudante do Ensino Médio, Victor Leite, de 17 anos, morador do bairro Mocambinho, periferia da zona Norte de Teresina, não tinha pensado nas eleições deste ano. Mas em abril, quando estudantes e professores se reuniram para pedir direito à moradia e melhores condições de trabalho no Centro de Teresina, ele não hesitou em participar da manifestação. Neto de professora e vendo uma crise dos setores insurgindo na frente do Palácio da Cidade, sede da prefeitura municipal, ficar em casa, não era mais uma opção. Rapidamente, digitou para um grupo de amigos no WhatsApp: “Rapaziada, vamos ganhar a cidade que ela é nossa”. 

Usando farda do colégio, ele e mais cinco amigos, todos entre 16 e 18 anos, entoaram gritos e pedidos por melhores condições de trabalho e salariais para professores. Também exigiam transporte público de qualidade e regularização de terras com a construção de casas populares. “A cidade parecia entrar em colapso e a gente não queria mais ser telespectador pelo noticiário”, destaca o jovem. “A gente quer ser protagonista”. 

Estudantes em manifestação popular (Foto: Livia Beatriz – UJS)

A avó e a mãe, com quem mora, não gostaram da ideia do garoto em uma manifestação. Principalmente quando dias após o ato em que participou, a polícia reprimiu outra manifestação por direito a moradia com gás lacrimogêneo. De todo modo, as mulheres não o impediram de ir. Assim como Victor, elas também acreditam que ele faz parte de uma geração de jovens que, desde 2015, têm participado de ações inconformadas com o autoritarismo e o desleixo do poder público com os direitos básicos da cidade. 

Nos próximos anos, ele espera entrar em uma universidade pública, completando o ciclo de uma vida escolar em instituições não-privadas – mas teme o desmonte construído no ensino superior. Recentemente, as entidades estudantis estiveram presentes no plenário da Câmara dos Deputados para impedir a votação da PEC 206/2019, que pretendia cobrar mensalidade em universidades públicas. Se as coisas não mudarem, Victor teme que estudantes de baixa renda tenham cada vez menos possibilidades de acesso, ou que se endividem em troca de um diploma que não lhes garantam trabalho.  Ele enxerga na participação política uma solução. “Parados não iremos conseguir muita coisa”, pontua.

Entidades estudantis na votação da PEC 206

A América Latina tem sido o continente que mais tem mobilizado jovens para a conscientização política no mundo. Desde 2015, protestos no Brasil, Chile, Colômbia e Equador são protagonizados e encabeçados entre cidadãos de 18 a 30 anos, buscando mudanças nas democracias. 

As reivindicações são variadas e respondem às demandas de cada país. Porém, com um denominador comum: o fator geracional. Jovens têm inflamado suas reivindicações pelas redes sociais e dado tom ao conceito de Geração do Bicentenário –  manifestações organizadas na internet que se deslocam para as ruas.

Uma pesquisa feita pela Avaaz – uma ONG de mobilização social global – apontou que  a juventude diz sim à política e não à intolerância. No entanto, quando o assunto política chega nas redes sociais, ele é considerado tóxico para 83% dos jovens. Durante o levantamento, mais da metade dos entrevistados nem posta no seu perfil com medo de ser julgado ou cancelado. “Jovens de direita acham a esquerda intolerante e jovens de esquerda acham a direita intolerante”, complementa Nana Queiroz, coordenadora da pesquisa Avaaz.  “Quando esse cenário se instala, você tira o direito deles fazerem perguntas, errarem e mudarem de opinião. Assim, a gente perde jovens para a radicalização ou para a apatia”, finaliza Nana.

Para os jovens que têm se arriscado dentro das redes sociais a debaterem questões, seus principais valores versam sobre as seguintes pautas: 33% no combate a pobreza e fome; 16% geração de empregos e 14% pensam em preservar o meio ambiente. 

Plataformas digitais como Instagram, Tik Tok ou Facebook são utilizadas para documentar ou organizar ideias em torno de uma pauta de interesse entre os jovens. A ideia é desafiar a narrativa das mídias tradicionais que, segundo eles, não reflete seu ponto de vista. 

O servidor público João Lucas de Sousa, de 29 anos, sentiu necessidade de articular nas redes a pauta ambiental em Floriano – 240 km ao Sul de Teresina. Sem imprensa consolidada na cidade, tampouco atenção dos canais tradicionais fixos na capital, o jeito foi se virar pelos canais digitais. 

O Rio Parnaíba sempre fez parte da cultura da cidade mas, ao longo dos anos, sua preservação tem sido esquecida pelo poder público e pela sociedade. Floriano, localizado no semiárido do Piauí, enfrenta outro problema durante os meses mais secos do ano: queimadas avançam nas florestas de carnaubais, destruindo a flora e fauna nativa. Na contramão, o projeto Floriano Verde, encabeçado por jovens da região, têm se mobilizado para cuidar do rio, conscientizando sobre as queimadas e ensinando crianças sobre educação ambiental. 

Ação do grupo Floriano Verde (Foto: reprodução da internet)

Festivais na cidade e também em Teresina convidaram o grupo para falar sobre o descarte de plástico e conscientizar brincantes sobre a preservação do espaço. Piqueniques ecológicos, palestras para a rede municipal de ensino e mutirões de retirada do lixo das margens dos rios têm sido as estratégias para preservar Floriano. 

“Uma causa só precisa que alguém comece e a gente tem feito nossa parte”, frisa o jovem. Nas redes sociais, João Lucas não deixa passar despercebido as manobras políticas a nível municipal e federal que impactam o meio ambiente. Nas plataformas do projeto e também na sua página pessoal, notícias e informações sobre o que acontece ao meio ambiente tentam driblar a falta de meios de comunicação na cidade. “As redes sociais têm sido importantes na massificação de ideias”, destaca o jovem. “É urgente que alguém esteja nas redes falando de meio ambiente”, complementa. “E na política também”.

João Lucas: “Uma causa só precisa que alguém comece” (Foto: arquivo pessoal)

Ainda pelas ruas de Floriano, Beatriz Barbosa tem militando contra a pobreza menstrual na cidade. Ela começou sozinha, arrecadando absorventes e dialogando nas redes socais, até comparecer em escolas para falar do combate à violência contra as mulheres. Chegou a ser convidada para participar da União Brasileira de Mulheres (UBM) e pode fazer um curso de formação. O grupo lhe possibilitou encontrar mulheres de todo o país, que assim como ela, começaram sozinha seus trabalhos políticos em suas cidades.

A estudante, de 24 anos, compareceu à Câmara de Vereadores da cidade para apresentar um projeto de combate à pobreza menstrual que pudesse envolver o município. Não teve êxito, então arregaçou as mangas a fim de arrecadar sozinha doações suficientes para distribuir em comunidades mais carentes. “Tentei cobrir o máximo de bairros possível buscando mulheres que não tinham acesso à higiene menstrual”, destaca. 

Viajou até Nazaré do Piauí, 46 km de distância de Floriano, para manifestar sobre o desaparecimento de uma mulher – identificada como Renata – em janeiro de 2021. A polícia se negou a dar esclarecimentos. Após pressão das mulheres da cidade, o caso tornou-se público. Infelizmente, Renata havia sido morta pelo companheiro. 

Também pelas redes sociais, principalmente durante a pandemia, Beatriz se mobilizou para falar do enfrentamento à violência de gênero. Durante esse período, o número de denúncias caíram e Beatriz temia que esse silêncio não fosse um bom sinal. “A ideia era fazer lives e tentar entrar na casa das pessoas por algum lugar”, destaca. “A internet foi essa via de conexão com as mulheres”, complementa a estudante. 

Nesta eleição, ela vê um cenário polarizado – o que não julga ser bom. Em um país onde a comunicação não chega de forma igual para as camadas mais pobres, a forma como as pessoas têm acesso a seus direitos e ao que acontece na política também ocorre de maneira desigual. Ela frisa que os candidatos precisam olhar para as demandas educativas e que envolvam as mulheres. A jovem ainda não tem candidato definido, mas garante que não votaria no atual presidente, que define como machista.

Beatriz no combate a pobreza menstrual (Foto: arquivo pessoal)

O movimento de renovação política tem pulsado entre os jovens. Segundo o Tribunal de Justiça Eleitoral, o eleitorado brasileiro cresceu em abril – e ganhou mais de meio milhão de jovens aptos a votar. Até o dia do encerramento do alistamento eleitoral, o número mais que dobrou entre abril e maio.

Os números chamam atenção, em especial quanto aos jovens com 16 e 17 anos, grupo para o qual o voto é facultativo. Em março, o eleitorado total apto a votar nessa faixa etária girava em torno de 700 mil (17 anos) e pouco mais de 300 mil (16 anos). Esse quantitativo teve um crescimento significativo em abril (54,3%), indo para mais de 1,6 milhões de  jovens (16 anos) e mais de 1,3 milhões (17 anos). 

Um fato considerável para esse salto de novos eleitores foi o engajamento da sociedade na convocação da juventude para emitir o título de eleitor – documento que garante o voto. Em Teresina, Fernanda Miranda, de 25 anos, criou um programa para que jovens pudessem obter o título, e que também tivessem acesso à formação política. A jovem, que é advogada eleitoral, se incomodava que a cada pleito, a quantidade de jovens dentro dos colégios eleitorais fosse mínima.

Assim que saiu uma pesquisa do TSE, ainda em março, apontando a baixa procura dos jovens aptos a votar, ela sentiu a necessidade de agir. Jovens da periferia, com pouco ou nenhum acesso à internet e dificuldades na locomoção dentro da cidade, formavam o público alvo do seu projeto, o Programa Jovem Eleitor. “Foi desenvolvido para explicar como anexar e usar a ferramenta do título online”, destaca. 

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Os jovens tinham dúvidas básicas sobre como anexar documentos, prazos e principalmente, falta de estímulo para entender a importância do documento. Tirar o título parece uma dificuldade pequena perto da falta de educação política na vida dos jovens. “Não basta apenas votar, tem que saber que esse voto é um instrumento da democracia”, frisa a advogada. 

Fernanda na mobilização de jovens para uma formação política (Foto: arquivo pessoal)

Fernanda, então, começou uma verdadeira corrida entre alunos de escola pública. Além da emissão do título, a advogada propõe um curso gratuito para que os jovens possam ter acesso a seus direitos garantidos por lei como moradia, educação e lazer. Um levantamento feito pelo Programa Jovem Eleitor, constatou que cada vez menos a juventude quer se manter em carreiras tradicionais. “O jovem quer ser dono do seu próprio negócio, empreender e conseguir ascender socialmente”, destaca o relatório. “Mas, para ter isso, ele precisa de uma cidade  com representantes que possam ter olhar sensível para essas demandas”, complementa. “Por isso é importante a consciência do voto”, finaliza a advogada.

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Categorias: Especial

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