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Primeira advogada brasileira foi uma mulher negra, escravizada no Piauí

Esperança Garcia viveu na região de Oeiras e escreveu a carta no século XVIII, considerada como uma petição

28 de novembro de 2022

Edição Luana Sena

Esperança Garcia, a primeira advogada do Piauí, foi reconhecida agora como a primeira advogada do Brasil. No último dia 25, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil  (CFOAB) aprovou o reconhecimento e a construção de um busto em homenagem a ela, a ser colocado na sede do órgão.

Esperança foi uma mulher negra, escravizada na região de Oeiras, Sul do estado, no século XVIII. Ela vivia na fazenda de Algodões, junto ao filho e marido. Jesuítas a levaram à força para uma fazenda em Nazaré do Piauí. A história conta que, em meio às dificuldades sofridas na época, a mulher aprendeu a ler e escrever. 

A escrita foi a forma que usou para protestar e reivindicar o direito a um tratamento digno. Ela escreveu uma carta endereçada ao governador da capitania do Piauí, relatando as violências sofridas por ela e por outras pessoas escravizadas. A carta, em tom de denúncia, apresentava, além do pedido, elementos jurídicos como endereço, identificação e narrativa dos fatos, o que fez o documento ser reconhecido como uma petição.

Transcrição da carta escrita no século XVIII para o português atual.

O documento foi encontrado em 1979 no arquivo público do Piauí, pelo pesquisador e historiador Luiz Mott. A Ordem dos Advogados do Piauí (OAB-PI) considerou a carta como o primeiro habeas corpus do Brasil, e em 2017 o título de advogada foi concedido a Esperança Garcia. 

A nomeação foi fruto de um estudo realizado pelo Dossiê Esperança Garcia. Para a OAB, o reconhecimento nacional ocorreu sob liderança da professora e jurista Maria Sueli Rodrigues, que presidiu a Comissão da Verdade da Escravidão Negra da OAB/PI (2016-18), período em que coordenou a produção do dossiê que tornou Esperança símbolo de resistência.

No Piauí, alguns municípios têm levado o nome de Esperança em espaços de sociabilidades e prédios. Em Teresina, encontra-se o museu “Memorial Esperança Garcia”, um lugar reservado para contar e relembrar a história da advogada. Já em Nazaré do Piauí, local próximo onde viveu, uma maternidade recebe seu nome, Maternidade Esperança Garcia. Uma escultura de barro em tamanho real de Esperança Garcia integra o acervo da Central de Artesanato Mestre Dezinho, no centro de Teresina. 

Entretanto, pouco se vê sobre Esperança na cidade de Oeiras, na qual formou sua família. Itens como caldeirões de barro, colheres de pau, ferros à carvão, lamparinas e imagens de negros acorrentados compõem uma forma de exposição no segundo andar do sobrado Major Selemérico. O cenário confuso é uma maneira de homenagem à mulher. 

Leia mais: Rosário, um pedacinho da África em Oeiras: uma história para além da eurocêntrica, na primeira capital do Piauí

Na solenidade da CFOAB, o presidente do Conselho, Beto Simonetti, afirmou ser justo reconhecer a importância histórica de Esperança Garcia. “Mulher negra e escravizada peticionou, com o pouco conhecimento que tinha, das letras da lei, ao governador da capitania do Piauí para denunciar as violências pelas quais ela, suas companheiras e seus filhos passavam”, relembrou o presidente.

Nas redes sociais, a coordenadora do Instituto Esperança Garcia, Andreia Marreiro, saudou a conquista lembrando o esforço de advogadas, estudantes, coletivos e, é claro, da professora Sueli Rodrigues. “Ela disse muitas vezes como esse projeto lhe deu vida”, escreveu. “Não deu tempo que ela estivesse aqui para brindar muito a conquista de hoje”. 

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