domingo, 28 de abril de 2024

S.O.S UESPI até quando?

Professores da UESPI mantêm greve após reunião de conciliação com o Governo do Estado

26 de fevereiro de 2024

Quando a UESPI não está em chamas, como visto no incêndio que afetou o setor de Patrimônio no Campus Poeta Torquato Neto neste mês, a universidade parece estar congelada. A paralisação dos professores, decidida ainda em dezembro de 2023, persiste após a realização de uma reunião de conciliação entre o Governo estadual e a Associação dos Docentes da Uespi (Adcesp – Seção Sindical do ANDES-SN) que ocorreu na última sexta-feira(23), no Tribunal de Justiça do Piauí.

A reunião de conciliação foi resultado de uma decisão da Justiça do Piauí, que também emitiu uma ordem para que o Governo estadual restituísse os valores descontados dos contracheques dos professores da UESPI que não retornaram para o início do período letivo em 2 de janeiro. Os cortes ocorreram durante a greve dos professores da instituição, anunciada em 4 de dezembro de 2023. Apesar da legalização da greve pelo Judiciário, houve a redução salarial de 63 docentes, incluindo aqueles afastados para programas de pós-graduação.

Além da reunião de conciliação, na última quinta-feira (22), aconteceu a segunda reunião da Mesa Estadual de Negociação Permanente. Na ocasião, o Governo propôs um reajuste salarial para os servidores de 5,35% ao ano até 2026, totalizando aproximadamente 17% ao longo de dois anos. A proposta foi considerada insatisfatória pela categoria.

Professores da UESPI participam de audiência de conciliação no Tribunal de Justiça do Piauí

Professores da UESPI durante audiência de conciliação no Tribunal de Justiça do Piauí mediada pelo Desembargador Agrimar Rodrigues (Foto: ADCESP)

Os docentes buscam um reajuste salarial de 22%, visando a recomposição das perdas salariais acumuladas ao longo de mais de 10 anos, as quais resultaram em uma defasagem nos contracheques superior a 68%. Segundo Lucineide Barros, coordenadora-geral da Adcesp, apesar dos argumentos dos professores por um aumento na porcentagem de reajuste proposta pelo Estado, o Governo manteve a inflexibilidade sobre o reajuste salarial de 5,35% ao ano até 2026. “Durante a audiência de conciliação, as categorias disseram que para esse ano já não é satisfatório o reajuste de 5,35%. Ao contrário, fica muito distante da nossa proposta que é de 22%. Nós não vamos esperar os dois próximos anos nessa mesma condição insatisfatória. O Governo precisa reavaliar”, relata.

Diante da falta de consenso entre os docentes e os representantes do governo, a audiência de conciliação foi suspensa e será retomada no dia 04 de março. Nesse intervalo, está agendada uma reunião entre ambas as partes na próxima quinta-feira (29) para uma nova tentativa de negociação.

“O que os dados, inclusive oficiais, têm mostrado é que o Governo tem lastro econômico para conceder um reajuste muito além de 5%. Não há como qualificar a ação do servidor sem a valorização econômica, sem a valorização em relação às condições de trabalho, em relação à carreira”

A coordenadora-geral da Adcesp critica a falta de diálogo do governador Rafael Fonteles com a classe e aponta a desvalorização dos servidores pelo Estado. “O que os dados, inclusive oficiais, têm mostrado é que o Governo tem lastro econômico para conceder um reajuste muito além de 5%. Não há como qualificar a ação do servidor sem a valorização econômica, sem a valorização em relação às condições de trabalho, em relação à carreira”, ressalta Lucineide.

Professores da UESPI intensificam movimento para alcançar uma política pública consistente de valorização dos profissionais do serviço público (Foto: ADCESP)

Apesar de os docentes buscarem os reajustes salariais junto ao Governo há anos, o ponto que levou à greve foi a apresentação do Projeto de Lei Complementar (PLC) Nº 09/2023 na Assembleia Legislativa do Piauí. O PLC amplia a carga horária em sala de aula e viola o princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Caso seja aprovado, os professores terão que dedicar mais tempo às aulas, diminuindo os horários disponíveis para pesquisas e atividades extraclasses. Lucineide relata que o projeto fere a autonomia universitária, considerando que a iniciativa do Executivo não consultou os dirigentes da UESPI e nem as demais instâncias responsáveis, como o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, o Conselho Universitário e o Conselho de Diretores. “Quando o Governo diz que a nossa carga horária deve ser basicamente dedicada ao ensino em detrimento da pesquisa e da extensão, ele ataca a autonomia didático-científica e pedagógica. Sim, há atividades em sala de aula que ocupam a maior parte da carga horária, mas há também uma porção que necessariamente é destinada à pesquisa”, relata.

Na audiência realizada com os professores em 7 de dezembro de 2023, o governador prometeu retirar o PCL 09/2023 de pauta e concordou levar a discussão para as instâncias colegiadas da UESPI, atendendo ao pedido dos professores. Como não houve avanço nas conversas sobre a recuperação salarial diante da recusa do governador de abordar a questão, a greve continuou, com maior foco nas demandas salariais dos professores. “Felizmente teve um ponto que a gente já deu como superado e negociado, que foi a questão do projeto de lei que o Governo havia enviado à Assembleia Legislativa para modificar a nossa organização da nossa carga horária. O Governo se comprometeu em retirar de pauta, porém restou a questão salarial”, explica Lucineide.

Os docentes não estão sós

O descontentamento com as condições na UESPI não se restringe aos professores; ele se estende ao corpo discente, que também se uniu às paralisações em busca de melhores condições para a universidade. No dia 10 de janeiro, o DCE UESPI anunciou oficialmente uma greve estudantil, motivada pela continuidade da paralisação dos professores e uma série de demandas estudantis, como a construção de restaurantes e residências universitárias nos campis da instituição. Natanael Soares, diretor de Assuntos Estudantis do DCE UESPI, relata que a greve dos alunos tem como um dos objetivo o combate à precarização estrutural da universidade.  “Na UESPI, faltam questões básicas como restaurante universitário e residência estudantil. Existem alunos de vários pontos do estado e do país que acabam vindo para a universidade, mas não encontram um local para morar e também para se alimentar com comida barata e de qualidade”, ressalta. 

Desde 2009, alunos e professores da Universidade Estadual do Piauí esperam por um restaurante universitário. Em 2014, uma cozinha comunitária foi inaugurada no campus Poeta Torquato Neto, financiada pelo Programa Auxílio Alimentação, uma parceria que começou com a adesão da UESPI ao SISU. No entanto, há insatisfação devido à oferta limitada de 350 refeições diárias apenas para os estudantes que participam do programa Auxílio-Alimentação, o que não atende à demanda dos mais de 5 mil alunos da instituição e os membros da comunidade externa. ”Estudantes que passam praticamente o dia todo na universidade enfrentam dificuldades para encontrar opções acessíveis e de qualidade para se alimentar, já que não há um Restaurante Universitário disponível. Essa situação impacta significativamente na escolha da universidade e pode levar os estudantes a perderem programas e oportunidades devido à falta de garantias de alimentação na UESPI”, relata.

Além do número reduzido de refeições, segundo Natanael, o espaço da cozinha comunitária está fechado para os alunos e não há um local adequado para comer. “A cozinha comunitária no Torquato Neto está praticamente desativada. Desde o início da pandemia de Covid-19, passaram a oferecer apenas marmitas. As pessoas compram fichas e recebem as marmitas, porém, a qualidade é ruim e as marmitas chegam frias”, explica. Segundo o estudante, o DCE tem tentado debater com os responsáveis pela administração universitária para buscar soluções para os problemas enfrentados na cozinha comunitária. “Existe uma promessa de reativação, mas até o momento a gente nunca teve essa reativação. Essa promessa já vem há muito tempo, não é nem de agora. É algo que já vem desde o ano passado, porque a gente tem tido conversas e tentativas de reativar a cozinha, mas essa questão nunca foi resolvida”, afirma.

“O que nós temos na UESPI são prédios pegando fogo e tetos desabando. Isso acaba afastando muitos estudantes”

Além da falta de serviços essenciais para a permanência estudantil, a UESPI enfrenta desafios na manutenção de sua infraestrutura existente. O histórico da universidade inclui uma série de incêndios. Entre eles, o incêndio no Setor de Patrimônio da UESPI em 5 de fevereiro, um princípio de incêndio causado por um curto-circuito em um ar-condicionado no Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) em 6 de novembro, e outro princípio de incêndio devido a curto-circuito no Centro de Ciências da Natureza (CCN) em 21 de setembro de 2023, todos no Campus Torquato Neto. Em 17 de setembro de 2023, um incêndio atingiu salas de aula, laboratório de sementes e depósito no Campus de Uruçuí, localizado no sul do estado. Anteriormente, em 28 de maio de 2023, o mesmo campus enfrentou outro incêndio que danificou parte do teto de uma sala. Além dos incêndios, a UESPI também conta com outros danos estruturais, como o evidenciado pelo o desabamento do teto no Setor 21 do Centro de Ciências Sociais Aplicadas – CCSA, no Campus Poeta Torquato Neto, em março de 2023.

Os problemas estruturais não são novos. Brunna Verna, coordenadora do curso de Odontologia da UESPI , revela que o prédio da antiga FACOE, localizado no Campus Alexandre Alves de Oliveira, em Parnaíba, tem um histórico de vazamento no teto que persiste há anos. Apesar das soluções paliativas adotadas para lidar com os vazamentos causados pelas chuvas, o problema sempre retorna causando mais danos. “Algumas reuniões e visitas foram realizadas. Projetos também, mas ainda estamos aguardando o início das obras. Enquanto isso, sofremos com cada chuva. Dependendo da intensidade da chuva, nossa clínica sofre com piso alagado, paredes e teto infiltrado, tanto da clínica como das salas de aula, laboratórios e corredores”, relata. Para Brunna, a falta de investimentos específicos para a resolução dos problemas estruturais da UESPI é evidente toda vez que chove e os corredores se enchem de água. “A direção de campus tem feito o possível e o impossível para resolver o problema, mas sem recursos específicos para isso, todos ficam reféns de medidas paliativas que não resolvem a raiz do problema”, relata.

Durante as chuvas, o prédio da antiga FACOE, no Campus Alexandre Alves de Oliveira em Parnaíba, sofre com recorrentes vazamentos e infiltrações nas paredes, tetos das salas de aula, laboratórios e corredores

“O que nós temos na UESPI são prédios pegando fogo e tetos desabando. Isso acaba afastando muitos estudantes”, afirma o diretor de Assuntos Estudantis do DCE. Para Natanael, essas questões também colocam em risco a viabilidade de diversos programas de graduação da UESPI. “Há a questão do Governo ameaçar fechar cursos dizendo que é por conta da falta de adesão de alunos e também da evasão estudantil, mas a gente sabe que isso se dá pela precarização e falta de estrutura da nossa universidade”, relata.  

“Todos nós queremos sair dessa greve, porque não interessa a ninguém estarmos fora de sala de aula. Nem a administração, nem aos professores, nem aos estudantes, mas chegamos a esse ponto por conta das condições que nos trouxeram até aqui”

Algumas demandas da greve estudantil coincidem com as dos professores da UESPI. Um dos pontos defendidos por ambos os movimentos é a retirada de pauta do Projeto de Lei Complementar (PLC) Nº 09/2023, que propõe mudanças no Plano de Cargos, Carreira e Remuneração dos professores da UESPI. Segundo Natanael, esse projeto enfraquece as iniciativas de pesquisa e extensão universitárias.  “Programas como PIBIC, PIBEU, PIBID e outros de extensão dependem da carga horária dos professores. Se os professores não puderem dedicar tempo a orientar esses programas, as bolsas serão drasticamente reduzidas. Isso nos afetará diretamente, pois as reivindicações dos professores são também as nossas. Queremos que essa proposta seja retirada da pauta”.

Estudantes se unem em apoio à greve dos professores durante a marcha EU VIVO A UESPI (FOTO: DCE UESPI)

Natanael afirma que também é interesse dos alunos o reajuste salarial para os professores e que ele afeta significativamente a continuidade dos estudantes na UESPI.  “Muitos de nós também pensamos na licenciatura e queremos retornar para o UESPI como professores, então é uma pauta que é nossa também. Além de que essas questões podem causar a saída de professores da nossa instituição”, relata.

Apesar da greve, o desejo dos estudantes é retornar a sala de aula o quanto antes. “Todos nós queremos sair dessa greve, porque não interessa a ninguém estarmos fora de sala de aula. Nem a administração, nem aos professores, nem aos estudantes, mas chegamos a esse ponto por conta das condições que nos trouxeram até aqui”, ressalta o estudante.

 

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