domingo, 19 de maio de 2024

Um diagnóstico para a inclusão

Piauí anuncia futura implantação de centro especializado para pessoas com autismo; organizações alertam para demora no atendimento

16 de junho de 2023

Os caminhos para identificar o Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda são difíceis pela falta de conhecimento, pela escassez de recursos e pela ausência de apoio e políticas públicas mais atuantes no Brasil. Cada passo das pessoas que convivem com o TEA é acompanhado por incertezas, dificuldades e a constante luta contra uma sociedade que frequentemente não compreende suas necessidades. Uma vez que o autismo é diagnosticado, tanto o paciente quanto sua família enfrentam mais um desafio: encontrar o acompanhamento adequado e ter um acesso facilitado à saúde especializada. Essa situação leva muitas famílias a esperarem anos por atendimento na rede pública. Diante dessa realidade, o Piauí anuncia a construção de um centro especializado para o acompanhamento de pessoas com autismo.

A espera pelo atendimento

Uma em cada 36 crianças de 4 e 8 anos está no espectro autista. É o que aponta o estudo realizado pelo Center for Disease Control and Prevention sobre a população dos Estados Unidos em 2020. O resultado revela um aumento em relação a estudos anteriores, onde a proporção era de uma em cada 44 crianças. Além disso, foi constatado que entre as crianças de 8 anos, os meninos apresentaram quase quatro vezes mais chances de serem identificados com TEA em comparação às meninas. No Brasil, ainda não há estatísticas oficiais disponíveis sobre o transtorno do espectro autista. No entanto, a Lei Berenice Piana, aprovada em 2012, reconhece os indivíduos com esse transtorno como pessoas com deficiência e prevê a realização de um censo para determinar o número de pessoas afetadas pelo transtorno no país, algo que ainda não ocorreu. 

O acesso a atendimentos adequados desde cedo, por meio de diagnóstico precoce e reconhecimento do TEA na população, é essencial para melhorar a qualidade de vida das pessoas que convivem com o transtorno. A diretora da Associação Universo Atípico e Multicolorido (UNIMULTI) e mãe de uma criança com autismo, Caroline Neiva, destaca a importância do diagnóstico de TEA na rede de saúde, especialmente para a população carente. “As pessoas que não têm condições de pagar uma consulta estão à margem, inclusive do diagnóstico. O diagnóstico é a porta de entrada de direito ao tratamento. Sem o diagnóstico, você não tem acesso à implementação de acompanhamento nenhum”, explica.

Associação Universo Atípico e Multicolorido durante encontro para conscientização sobre o Transtorno do Espectro Autista. (FOTO: Arquivo pessoal)

Há uma crescente percepção de que o TEA abrange uma ampla variedade de indivíduos com características distintas, englobando diferentes níveis do transtorno. Dentro desse espectro, há indivíduos com um grau mais leve, como os classificados como “grau 1”, que são relativamente independentes e necessitam de menos suporte. Por outro lado, existem aqueles no “grau 3”, que requerem um auxílio mais substancial e podem enfrentar dificuldades na comunicação. Caroline explica que o acesso a um acompanhamento desde cedo possibilita que as pessoas com autismo tenham uma vida inclusiva na sociedade, por meio do suporte adaptado às necessidades específicas. “Quando a pessoa com TEA não recebe um tratamento adequado, é retirado dela o mínimo existencial, a mínima capacidade dela de existir. Por quê? Porque, a depender do nível de suporte, essa pessoa pode não vir a aprender a se comunicar, ela pode não vir aprender a fazer as atividades de vida diária”, comenta.

Acesso a uma equipe especializada no atendimento ao autismo é fundamental para oferecer suporte adequado e eficaz, permitindo que as pessoas afetadas pelo transtorno alcancem seu potencial máximo. Caroline recorreu à rede privada de saúde para ter o diagnóstico do filho com mais rapidez. Ela destaca a importância de expandir os serviços de atendimento para pessoas com TEA em cidades do interior do Piauí, como Parnaíba. “O que a gente tem hoje na rede é um atendimento pulverizado. A APAE não tem condição, tem gente aqui na fila de espera, a fila tem seiscentas pessoas. Tem gente que espera três anos na fila de espera. E a gente sabe hoje em dia, pela neuroplasticidade, que até os dois anos de intervenção precoce ela tem um impacto muito positivo no desenvolvimento. Então, aquelas crianças que têm até dois, três anos, que perdem essa janela, elas vão ter mais dificuldade de adquirir essas habilidades”, ressalta.

Essa realidade também é destacada pela a coordenadora da Associação dos Amigos e Familiares da Pessoa com Autismo (Prismas), Elisângela de Sousa. “Um dos maiores desafios hoje para quem tem plano de saúde são os aumentos que estão acontecendo rotineiramente, anualmente. Hoje em dia, a média de espera por uma consulta por plano de saúde é de três meses. Pelo público, a média de espera para uma consulta neuropediatra para você para você ter o laudo e ter acesso aos tratamentos é de um ano e seis meses a dois anos de espera por uma consulta”, alerta. 

E quem cuida de quem cuida? Os cuidadores de pessoas com autismo desempenham um papel fundamental na vida desses indivíduos, fornecendo apoio, assistência e dedicação diariamente. Eles também precisam de suporte e orientação para enfrentar os desafios emocionais, físicos e práticos que acompanham o cuidado de uma pessoa com autismo. Sobre a expectativa para a implantação de um centro especializado para o atendimento de pessoas com TEA no Piauí, Elisângela ressalta a esperança de que seus cuidadores também sejam assistidos. “A gente espera que esse centro de referência à pessoa com autismo venha realmente fazer isso, nos dar esse amparo pelo tempo que for necessário […] Porque o cuidador precisa ser cuidado. A gente precisa de referência, a gente precisa ser ouvido, ser visto. Nosso psicológico também fica muito abalado, e quando a pessoa tem o centro de referência que abre os olhos para trabalhar como um todo, com um olhar altamente inclusivo da família, do cuidador, a gente espera que isso realmente aconteça, e isso acontecendo será maravilhoso”, comenta.

Centro multidisciplinar

O Governo do Piauí, por meio da Secretaria de Estado para Inclusão da Pessoa com Deficiência (Seid) e da Secretaria de Estado da Saúde (Sesapi), anunciou a implantação do Centro Especializado de Atendimento às Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (CETEA) no estado . Essa iniciativa visa atender à crescente demanda por serviços especializados no suporte às pessoas com autismo. O secretário da Seid, Mauro Eduardo, ressalta a importância do centro especializado no tratamento do TEA no Piauí para assegurar o acesso de pessoas com esse transtorno ao cuidado especializado na saúde. “O objetivo desse centro é que possamos atender as famílias no espectro do autismo desde o diagnóstico, porque sabemos a dificuldade que essas famílias têm em ter o diagnóstico dos seus filhos, também na reabilitação e tratamento. A reabilitação das pessoas diagnosticadas com TEA também é um objetivo deste centro. Segundo Mauro, outro objetivo do Centro será dar atendimento e suporte aos cuidadores de pessoas com diagnóstico do TEA. “Sabemos que as famílias, quando recebem o diagnóstico de que têm uma criança com transtorno do espectro do autismo, sentem um baque muito grande, não estão preparadas para receber esse diagnóstico. Então essas famílias precisam também de um atendimento multidisciplinar por uma equipe multidisciplinar, por psicólogos, assistentes sociais, enfim, este Centro também dará esse atendimento a essas famílias”, informa. 

O CETEA-PI, que estará localizado na Av. Higino Cunha, no bairro Cristo Rei, tem previsão de iniciar as atividades em 2024. Segundo Mauro, o centro será referência para o cenário brasileiro. “O centro já está em fase de licitação para que ainda este segundo semestre possamos iniciar a obra de reforma e ampliação. Assim, no próximo ano, o governador Rafael Fonteles entregará este importante centro de reabilitação para as pessoas do espectro do autismo no estado do Piauí. Tenho certeza de que este centro será modelo para o país”, ressalta. 

A criação do CETEA-PI é um passo fundamental para a acessibilidade e inclusão social. No entanto, é necessário expandir esse serviço, especialmente em cidades menores e distantes dos centros urbanos, onde a escassez de recursos e serviços especializados é comum. Ter atendimento especializado nessas regiões é uma forma de garantir o acesso igualitário a diagnóstico, tratamento e suporte adequados, proporcionando melhores oportunidades e qualidade de vida para as pessoas com autismo e suas famílias. Além disso, essas medidas podem contribuem para uma sociedade mais inclusiva, onde todos têm a chance de participar plenamente e serem valorizados em suas singularidades.

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