Lana Pinheiro tem 23 anos, todos morando na mesma casa no bairro onde nasceu, com nome de Piauí. De sua rua, viu muita coisa mudar – dos netos da dona Maria Francisca – a Mãezinha, como é chamada por ali – que fazia bolos para vender no mercado do Parque Piauí, ela faz parte da primeira geração a entrar na universidade. “Meus pais e tios tiveram uma infância bem diferente da minha”, relata.
Do início dos anos 90 até o ano de 2017 (último divulgado com descrição dos municípios), o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – do Piauí cresceu 33,5%. O estado saiu do índice de 0,362 (muito baixo) para 0,697 (médio). Nos anos 2.000, apenas uma cidade, Teresina (0,62), tinha um índice de desenvolvimento considerado médio. Já em 2010, último Censo, 43 cidades possuíam um IDH médio ou considerado alto.
Fatores que impedem o crescimento da métrica estão relacionados, principalmente, à desigualdade na distribuição de renda e na ausência de uma prestação educacional adequada. Um dos maiores desafios da gestão Wellington Dias está ligado a pasta da educação e a necessidade de fomento para alavancar o crescimento do IDH no estado. Em seu 4º mandato como governador do estado – entre reeleições e uma saída para ocupar vaga no Senado – tal melhoria segue como prioridade de governo – mais de uma vez o chefe de estado afirmou que a meta até 2022 é alcançar um IDH de 0,80, superando estados como Maranhão, Alagoas, Amapá, Amazonas, Pará, Sergipe e Bahia.
Contudo, desafios enfrentados como a contenção da pandemia, a crise sanitária e econômica afetaram a esperada ascensão – e podem refletir numa queda vertiginosa pelos próximos anos. Apesar do sutil crescimento, a educação piauiense esbarrou nos desafios provocados pela pandemia e tem regredido. Não é um problema isolado: nas palavras do secretário nacional dos direitos da criança e do adolescente, Maurício Cunha, a educação do país regrediu por 20 anos, devido ao afastamento dos estudantes das escolas.
A demora para o cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) passa a ser uma preocupação – estruturas sucateadas e falta de verba para comprar insumos e seguir os novos protocolos sanitários exigidos pela pandemia podem ser os obstáculos para as próximas décadas, ainda impactadas pela crise, os cortes e a defasagem no aprendizado.
Sozinhos, distantes e isolados, os números não parecem ter qualquer relação com nossas vidas cotidianas. Como uma árvore que você avista todos os dias, ao passar em frente, e só percebe seu crescimento quando repara alguém certo dia podá-la. O Piauí existe e está em movimento. Os avanços na inclusão social e os desafios da integração econômica fazem parte das mudanças vividas pelo estado nas últimas décadas.
Da alcunha de “estado mais pobre da federação” para terra rica em recursos naturais: são mais de três milhões de hectares em terra fértil, plana e adequada para a agricultura de mercado. A consideração da posição do Piauí no contexto nacional, que sempre foi uma constante no debate sobre a situação do estado, passa a ser agora um detalhe – o estado detém metade de toda a água do subsolo do Nordeste e diversidade ecológica onde predominam o Cerrado e Caatinga – biomas cujos organismos, pela capacidade de resistência e adaptação estão sendo venerados e estudados no mundo inteiro.
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Pretensão demais querer abarcar mais de 250 mil quilômetros quadrados de extensão em seus 224 municípios – foi em um deles, com nome de residência real que Alecio Barbosa nasceu, há 20 anos. Viu a urbanização chegar de forma tímida e lenta por ali: os primeiros calçamentos na zona rural, a instalação de creches e escolas, postos de saúde, conjuntos habitacionais e reformas pontuais em praças e parques existentes. “São pequenas mudanças, mas relevantes obras, sobretudo nos últimos seis anos”, observa.
Quando pensa em Piauí, não é a Pedra do Castelo, as pinturas rupestres ou outro cartão-postal conhecido que lhe vem logo à mente. “Vem a imagem de um povo forte, que já nasce tendo que lutar mais do que deveria”, comenta o estudante. Para ele, ainda não nos desvinculamos totalmente do estereótipo propagado pela mídia de sofrimento e pobreza, apesar de muitos avanços. “Ainda há muita gente que pega água de cacimba, para quem a energia elétrica ainda não chegou”, pontua. “Apesar de tudo, também vem a minha mente a imagem de um Piauí de gente feliz, de gente que mesmo na dificuldade, consegue sorrir e seguir”.
E como faz para crescer?
O resultado mais significativo das transformações rumo a uma maior inclusão social é a redução da pobreza. As principais linhas de desenvolvimentos traçadas nos últimos 20 anos no Piauí caminharam no sentido de reduzir a ferida que a fome e a seca deixaram a longo prazo no sertão. Mas a receita para isso envolve o complexo combate ao analfabetismo e a miséria.
Em dez anos (2001 a 2011) metade das pessoas que viviam na pobreza, no Piauí, saiu dessa condição. Na extrema pobreza, viviam 26,4% em 2001 e 8,6% em 2011. No Brasil, as taxas eram de 27% em 2001 e 10,6%, em 2011, de pessoas vivendo em situação de pobreza; e em extrema pobreza eram 12,4% e 4,7% para os mesmos anos. As políticas sociais de transferência de renda passaram a definir um novo processo de desenvolvimento.
Nos últimos 20 anos, o Piauí obteve avanço na economia – antes, de pecuária e extrativismo, passou a reforçar acesso ao crédito, estimulando o consumo e dinamizando o comércio e a própria produção. A descentralização dos serviços e dos investimentos públicos – com destaque para as políticas educacional, agrícola e habitacional – atraíram investimento, abrindo espaço no mercado nacional.
Para se ter uma ideia, no início dos anos 2.000, o PIB (Produto Interno Bruto) registrava a marca dos 6,473 bilhões – no ano passado, alcançou a marca dos R$ 50,38 bilhões, conquistando o 3º lugar no ranking de crescimento do Nordeste.
De acordo com a última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o PIB per capita do Piauí foi o que mais cresceu entre todos os estados da federação entre os anos de 2002 e 2016, saltando de R$ 2.440,70 para R$ 12.890,25 neste intervalo de tempo e em 2018 registrou 15.432,05.
Análises mais recentes também mostram que, após o relatório do IBGE, o estado seguiu registrando crescimento do PIB e alcançando novos avanços no quadro da economia. A projeção apresenta o Piauí como 2º estado brasileiro com maior crescimento do PIB estadual entre os anos 2010 e 2022. Segundo o levantamento, feito pela MB Associados, empresa de consultoria que presta serviços na área de análise macroeconômica, o Piauí aparece com um crescimento de 34,5% e só perde para o estado do Mato Grosso (41,1%) no período citado. Os estados com melhor desempenho são ligados ao agronegócio.
Para seguir na alavanca de um desenvolvimento, um dos maiores obstáculos diz respeito à ideia de universalização de direitos. Abrir horizontes para para as áreas de seguridade social (previdência, saúde e assistência), bem como educação, cultura, desporto e ações com foco na família, criança, jovem e idoso devem dar o tom das próximas implementações de políticas sociais sobre distribuição regional de renda.
Investindo em mentes
Cerca de 250 anos separam a história do começo do ensino no Piauí, período colonial, dos primeiro jovens negros que puderam acessar o ensino superior através da Lei de Cotas no estado. Mas, antes de chegar ao nível superior, a educação no Piauí sofreu grandes formulações.
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Nos últimos 16 anos o ensino na rede pública apresentou um crescimento em todos os níveis da educação. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) entre alunos da 4ª série/5ª ano saltou de 2,6 (2005) para 5,4 (2019), superando a meta estipulada para o período. O mesmo estudo desenvolvido nas 8ª série/9º ano do estado averiguou um crescimento de 1,8 pontos no período.
Em 2019, o Ensino Médio do estado conseguiu o 3º melhor índice do estado com 3,7 pontos, ficando atrás apenas de Pernambuco (4.4) e Ceará (4.2). Todos esses números são sentidos no dia a dia pelo especialista em educação Raimundo Dutra “Nós tivemos alguns aspectos que avançaram, como formação dos professores, embora tenhamos muito o que fazer na educação básica”, diz, acreditando ainda que a tecnologia foi um importante fator, apesar de pontuar a necessidade de incremento. “Os gestores públicos precisam oferecer o suporte técnico adequado para o usos dessas tecnologias”, afirma.
A desconcentração e interiorização desses investimentos e serviços públicos está entre os fatores apontados para esse desenvolvimento. O Pronatec – Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego criado em 2011 – foi responsável, por exemplo, pela implantação do Ensino Técnico em pelo menos 221 municípios piauienses.
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Além da oferta de vagas em nível superior e nível médio profissionalizante, a expansão implicou significativos investimentos em prédios e equipamentos, bem como na contratação de profissionais qualificados, como professores provenientes de diversas partes do país. O município de Bom Jesus, por exemplo, com 22 mil habitantes, conta atualmente com 40 professores com doutorado.
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Entre os anos de 2003 e 2011, a Universidade Federal também passou por expansão e interiorização significativas. Antes, com os campi de Teresina, Parnaíba e Picos viu crescer a oferta de cursos e a abertura de novos concursos – paralelo a isso foram implantados campi com cursos de nível superior em colégios agrícolas de Floriano e Bom Jesus.
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Na mesma década, as unidades do IFPI subiram de três (duas em Teresina e uma em Floriano) para 16, em 10 cidades polos regionais do estado. O impacto social e cultural dessa expansão é enorme, sobretudo, nos polos regionais onde funcionam – mas os resultados são visíveis em todo o estado.
Cuidando de gente
A saúde no Nordeste ganhou um espaço privilegiado na agenda nacional ainda nas primeiras décadas do século XX, quando o país experimentava os primeiros anos do Brasil República. Nesta época, o Piauí ainda era pensando na condição de sertão, a partir dos ditos “caminhos do gado” – territórios desbravados para dar espaços a instalação de fazendas às margens de rios e criação de bovinos. À medida que o estado ia sendo costurado pelas elites que surgiam, a ideia de uma modernização e desenvolvimento contrastava com o cenário de precariedade e escassez na saúde pública da terra piauiense.
A expansão do extrativismo e agricultura foi um dos principais causadores da integração das zonas rurais e urbanas. Esse aspecto econômico – e também político – foi crucial para alterar a forma de vida dos piauienses, principalmente no que diz respeito à saúde. Isso porque, o engatinhar do crescimento econômico pouco refletia em uma estrutura sanitária que abrangesse todo o estado. Naquela época, as preocupações da saúde pública despontavam com o escasso quadro de médicos para atender toda a população e a pouca – ou inexistente – estrutura hospitalar nas pequenas cidades piauienses.
No estudo intitulado “Saúde, uma das nossas reais necessidades – o processo de institucionalização da saúde pública no Piauí”, o pesquisador Romão Mourão de Araújo” destaca que especialmente durante a cheia do rio Parnaíba, a falta de recursos colocava o estado em colapso, uma vez que febres, malária e tuberculose explodiram como epidemias nas cidades banhadas pelas águas do rio.
A situação de precariedade foi se amenizando a partir da década de 1980. No entanto, somente após as primeiras décadas dos anos 2000 se observa uma significativa mudança na estrutura de saúde do estado. Aos olhos de Teresinha Santana, moradora de Picos, essas alterações não passaram despercebidas. Aos 83 anos, ela presenciou toda a sua geração de irmãos e tios viajar para Teresina – ou até a capitais mais próximas, como São Luís, no Maranhão – para realizar consultas ou exames médicos.
Hoje, com a estrutura do Hospital Regional Justino Luz, localizado em sua cidade, Teresinha percebe que a saúde não é mais a mesma dos seus tempos de mocidade. “Era muito difícil, tinha que rezar para não adoecer”, lembra. “Venho de uma época em que a gente não tinha o básico. Ainda vejo um Piauí que pode melhorar, mas que já avançou muito onde não havia nada”, destaca.
Ainda durante o início dos anos 2000, o estado passou por uma relevante evolução nas Estratégias de Saúde da Família (ESF) de Atenção Primária – considerada uma das ferramentas mais efetivas para acesso à saúde pública em todo o mundo. Até 2010, o Piauí já representava a maior cobertura populacional atendida por esse modelo, nas quais 1.100 equipes cobriam mais de três milhões de piauienses. A estratégia, que está presente em todos os municípios, têm como maior objetivo incluir famílias dentro da assistência de saúde para solucionar os problemas da população de forma geral.
Nos últimos vinte anos, a rede cresceu o suficiente para se tornar uma das referências nacionais na Atenção Básica. Atualmente, conforme o último Plano Estadual de Saúde (2016-2019) Sesapi, cerca de 55% dos estabelecimentos são Unidades Básicas de Saúde (UBS), que se dividem em Centros de Saúde, Unidades Básicas, Postos de Saúde, Unidade de Saúde da Família e Consultórios Isolados. Esse dado reforça como a rede assistencial tem sido um dos maiores trunfos do Piauí.
Ainda conforme o Plano de Saúde da Sesapi, é necessário que o Piauí passe por um reordenamento do desenho da regionalização da saúde. Ou seja, é preciso que haja um movimento na estrutura de saúde para descentralizar os serviços de cidades como Teresina, Picos, Floriano e Parnaíba – em especial, de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar, como cirurgias e internações. Isso porque, o estado é distribuído em 11 regiões de saúde, que concentram grande parte das verbas e recursos médicos.
Futuro sustentável
Mudanças atribuídas às políticas sociais de transferência de renda, ao crescimento nos índices de desenvolvimento educação e descentralização da saúde fizeram com que o PIB per capita do Piauí, antes, menor que o da média nacional, nas últimas duas décadas tenha mantido uma tendência ascendente, crescendo mais que o do Brasil. No entanto, é evidente que o estado, por representar em torno de 0,5% do PIB nacional, em uma posição economicamente desfavorável.
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A agricultura familiar, o reconhecimento de comunidades tradicionais e suas produções e o desenvolvimento e incentivo da chamada “energia limpa” (produção de energia eólica e solar) despontam a potencialidade do estado de inserir-se nas pautas atuais de desenvolvimento sustentável.
Apesar de o setor administração pública e seguridade social continuarem representando um terço da renda estadual – somados os setores de comércio (17%) e serviços (12%), chega-se à metade do PIB (57%) – a economia vem despontando com a participação de novos setores produtivos. A construção civil (7,7%) e a agropecuária (7,4%) são setores que vêm se recuperando.
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A indústria da transformação vem perdendo espaço – o que significa que boa parte do dinheiro que movimenta o comércio e os serviços não é excedente da produção local, e sim da transferência de excedente da riqueza produzida em outros territórios. Essa é a marca principal da integração reflexa ou passiva na economia nacional.
Uma maneira que desponta como forma de capturar protagonismo é o investimento em tecnologia e inovação bem como a produção de energias sustentáveis, riquezas naturais que o Piauí tem para dar e vender. Atualmente, cinco municípios são territórios para instalação de usinas de energia solar – sendo um deles, em São Gonçalo do Gurgueia, considerado o maior parque da América Latina. O estado lidera hoje a produção nacional de energia solar, tendo se tornado a nova fronteira para o mercado de geração de energia.
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Os desafios são muitos e o caminho para o desenvolvimento passa, é claro, por contornar as adversidades e encontrar soluções para novos e velhos problemas, muitos deles acentuados pela crise política, econômica e sanitária causada pela pandemia do coronavírus. Crise hídrica, possibilidade de apagão, desertificação, retomada da educação e capacidade para atrair investimentos seguem sendo os desafios para as próximas duas décadas.
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